segunda-feira, 3 de junho de 2013

Perrengue médico em Paris

Hoje a coisa foi tensa. Nervosa mesmo. O que eu chamo de perrengue classe A. Mas como teve um final feliz, aproveito a ideia da Solange Oliveira, amiga e parceira de pedaladas, e conto a vocês o que aconteceu, para servir de alerta.  

Meu alerta é: não saia do seu país, ou mesmo da sua cidade, sem um seguro médico. 

Pode parecer brincadeira, coisa desnecessária, precaução em excesso. Mas digo a vocês: não é. 

Quando se está num país estrangeiro, sem acesso ao seu médico de confiança (e, prinipalmente, ao seu receituário), é que a gente dá valor ao seguro. 

Vejam só o que me aconteceu.

Desde ontem, comecei a sentir um certo desconforto. Sabem quando as circunstâncias te levam a fazer um "pinga-pinga" pelos banheiros da cidade? Pois é, amigos, o número 2 estava fora de controle!

Agora realiza a cena: euzinha, visitando as praias do desembarque do Dia D na Normandia, tendo que usar todo o meu treinamento ninja para não "causar" na excursão. Quem disse que tem banheiro disponível na praia? E fazer um estardalhaço no banheiro do ônibus arruinaria a reputação conquistada perante o grupo de turistas às custas do meu inglês. Enfim, foi tenso, mas completei o passeio sem maiores incidentes. 

Na minha ingenuidade, pensei: ah, amanhã estarei melhor, deve ter sido alguma coisa que eu comi e me fez mal. Ah, se fosse tão simples...

Pensei nisso pelo seguinte: aqui em Paris, não há muito cuidado, por parte das pessoas que te servem comida, com a higiene. A mulher que faz o troco no caixa embala seu pão sem lavar as mãos; o sujeito para quem você pede o sanduíche não se limita apenas a apontar para a sua escolha, tem que enfiar o dedo fura-bolo na comida. E sabe-se lá onde ele andou enfiando aquele dedo, certo? Se fosse em SP, a vigilância sanitária já teria interditado todos os lugares nos quais comi. E se os franceses têm anticorpos suficientes para não adoecerem nessas circunstâncias, eu não os tenho. Descobri que sou frágil feito um cristal barato. 

Assim, quando acordei hoje, não me senti melhor. Ao contrário, não queria sair da minha cama que, por sinal, é bem perto do banheiro, lugar estratégico e absolutamente necessário naquela conjuntura. Olhei para o meu pai, já pronto para tomar o café da manhã, para o dia lindo que fazia lá fora e pensei: pô, estou em Paris! Vou levantar da cama e seja o que Deus quiser!

A primeira parada foi em Montmartre. Bairro repleto de artistas, cuja joia da coroa é a basílica de Sacré Coeur. Eu, já sabendo que a bendita igreja fica no topo de um morro, entrei em pânico. Afinal, qualquer esforço complicaria o meu já estropiado equilíbrio intestinal. Tive que "invadir" uma lanchonete atrás de banheiro antes de iniciar a subida. 

Feito isso, fizemos a visita, conforme planejado. Eu, passada de tanto ir ao banheiro, já estava desidratada. Mas como tomar água à vontade sem a garantia de achar um banheiro por perto? E o pior, era beber água e a dor de barriga aparecer em toda a sua glória! Eu estava no dilema "Tostines": não beber água  e passar mal ou beber água e fica ainda pior? Belezura de passeio...

Depois do almoço (e mais uma fila de banheiro enfrentada), rumamos para o Quartier Latin, o bairro latino. A Sorbonne fica lá, bem como os resquícios do império romano em Paris. 

Estávamos no metrô, eu e papis, quando decidi que não dava mais para continuar. Disse ao meu pai: vamos para o hotel, vou precisar de um médico. 

Papai entrou em pânico. Ele não fala inglês, muito menos francês. Não sabia o que fazer, como poderia me ajudar. Foi aí que eu tranquilizei:

- Calma, pai, eu tenho um bom seguro médico. Vou acionar e vai ficar tudo bem!

Aí ele relaxou. E se lembrou do que é público e notório: tenho todo o tipo de seguro. Vida, médico, internação e por aí vai. Valho mais morta do que viva! Se o avião cair comigo dentro, então... Meu pai tá feito na vida!

Cheguei ao hotel em frangalhos. Localizei o telefone de atendimento do meu seguro e fiz a ligação da recepção do hotel. O gerente, por sinal, fez a ligação para mim na hora. E não cobrou um tostão por isso. Gente finíssima!

Abri a ocorrência, dei todos os dados. Perguntaram se eu precisaria de intérprete, e eu disse: bom, falo inglês, estou conseguindo me virar bem por aqui até agora!

Prometeram que, em até uma hora, entrariam em contato comigo para me informar o hospital onde seria atendida. 

Subi para o quarto e aguardei a ligação. Qual foi a minha surpresa quando, alguns minutos depois, recebo uma ligação no quarto. Eis o diálogo:

- (mulher, falando francês) Aqui é da seguradora, estamos com um pedido de atendimento médico para a segurada Fernanda. Devo continuar a falar em francês ou inglês?

Sorte que, como o francês é uma língua latina, dá para entender alguma coisa. Respondi:

- Em inglês, por favor!

- Estamos em contato com o médico, que está se dirigindo ao seu hotel para atendimento. Por favor, permaneça no quarto. 

Uau, atendimento domiciliar! 

Disse que aguardaria. Cerca de uma hora depois, bate o médico na minha porta. Senhor de meia idade, que falava inglês. Começou a fazer uma série de perguntas e a me examinar. Ele prescreveu 3 remédios, e disse que, se não melhorasse, que eu deveria entrar em contato novamente com a seguradora. Eis o receituário do médico: 



Próxima parada, comprar os remédios. 

Pedi ao gerente do hotel indicação de farmácia. E ele me contou que o médico, antes de se dirigir ao meu quarto, perguntou coisas sobre mim! Ele disse:

- O médico quis saber de quem se tratava. Se era senhor, senhora... Eu disse que era uma moça cheia de encantos!

Caí na gargalhada! Tô podendo, heim?

Fui até a farmácia. No caminho, tive que atravessar um trecho de ciclofaixa. E, surpresa das surpresas, quando já estava praticamente fora da área das bikes, fui atropelada por um ciclista!

Ah, pqp... Justo eu, que também sou ciclista? Aff!

Comecei a falar "desculpe, desculpe!" em inglês, mas aí parei pra pensar: o culpado era ele, que estava praticamente  fora da faixa, não freiou e não buzinou! Aí fechei a cara e comecei a bradar, em inglês:

- Por acaso não sabe usar os freios? E a buzina, não tem?

O cara, emburrado, nada disse. E eu:

- Tá pensando que a rua é só sua?

Continuei reclamando, e o sujeito foi se afastando, de soslaio. Ainda gritei:

- Se não sabe pedalar, deixa a bike em casa e vai à pé!

Continuei rumo a farmácia, agora com parte do corpo dolorida. A trombada foi consideráve

Cheguei na farmácia e entreguei o receituário para a atendente, dizendo "boa noite" e "por favor", esgotando, assim, todo o meu francês. Ela me fez uma pergunta em francês e eu respondi em inglês: desculpe? E ela respondeu:

- Ah, turista!

Eu:

- Oui...

Ela pegou os três remédios, preencheu a papelada (muita burocracia) e me explicou o que estava escrito na receita. Só que o inglês dela era bem ruim. Então se valeu da internacional mímica para me explicar. 

Para o antibiótico:

- Este, tome um de dia e de noite. Serve para...

E fez uma cara de desconforto.

Para o remédio de enjôo:

- Este, tome 3 vezes ao dia. É para...

E simulou um vômito. 

Para o remédio da dor:

- Este, só se tiver...

E fez uma cara de dor!

Não agüentei, caí na gargalhada! E falei:

- Entendi perfeitamente!

Nós duas ficamos rindo da situação! Saí da farmácia com lágrimas nos olhos, de tanto rir, sacolinha cheia de remédios, e voltei para o hotel. Tomei a medicação conforme a instrução da mímica, e agora espero melhorar desse perrengue, finalmente. Porque amanhã, bem cedinho, vou pegar o TGV para Provence!

Já estava redigindo o causo quando recebo uma ligação do Brasil. Era a seguradora, perguntando se eu havia sido atendida, qual era o diagnóstico (gastroenterite), e informando, ainda, que eu seria reembolsada pela compra dos medicamentos. Tudo acertado, agradeci o atendimento e arrematei:

- Ainda bem que deu tudo certo. Porque ninguém merece ter uma diarréia em Paris, né?

E assim desliguei, não sem antes deixar a atendente da seguradora gargalhando aí no Brasil. É, só rindo mesmo!

Moral da história: seguro morreu de velho. Já pensou o que seria de mim sem essa assistência? Poderia ter arruinado a minha viagem. Do jeito que foi, só perdi uma tarde. E fica a dica: só saiam do país com o seguro médico em dia!

Boa noite, pessoal!






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