quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

À deriva no oceano!



Amigos, hora do primeiro causo inédito do blog!!


Lembram-se do que eu escrevi no primeiro causo, o de Dubai? Disse: “Agora sim, começou uma epopeia digna das minhas viagens!”


Eu sempre digo: viajar comigo é garantia de diversão, pois sempre acontece alguma coisa inesperada. Felizmente, ninguém sai machucado, mas retorna com causos pra contar aos filhos e aos netos!


Como este, que vou contar agora.


O ano era 2007, e resolvi fazer uma viagem diferente: uma expedição ecológica, partindo de Recife para Fernando de Noronha. De veleiro!


A viagem consistia no seguinte: eu teria que aprender a mergulhar e a velejar. Partiríamos de Recife rumo a Noronha no veleiro Aussteiger, e a grande sacada é que faríamos parte da tripulação. Para mim, seria algo inédito. Até aquele momento, eu nunca havia velejado, minha experiência no mar era limitada a mergulhos em apneia e a alguns “quase afogamentos” (isso rende outro causo). Mas estava realmente com vontade de fazer algo diferente, então mergulhei de cabeça nessa experiência!


Pacote fechado, fui atrás das “qualificações”. Primeira qualificação: aprender a mergulhar!


Lá fui eu procurar uma escola, e acabei achando a Scuba Point, perto de casa. Pessoal excelente! Fiz o curso básico em um fim de semana, depois um check-out em Paraty e, em questão de semanas, já estava de posse da minha carteira de mergulho PADI, qualificada como “open water diver”.


Ao chegar a Recife, fui recepcionada pelo pessoal da Seagate, escola de mergulho e então proprietária do veleiro que nos levaria a Noronha. Estava doida para aprender a velejar e colocar em prática as minhas credenciais de mergulho!


Logo no primeiro dia, fizemos dois mergulhos na costa de Recife. Dois naufrágios recentes, sendo que o primeiro estava a 30 metros de profundidade.


Até aí nada de mais, certo? Bom... meu curso só me autorizava a mergulhar até 18 metros! Falei isso para a “dive master” que nos acompanhava. E ela me respondeu:


- Sem problema, é só me seguir que fica tudo sussa!


Então tá! Eu me joguei na água e fui atrás dela. Para chegarmos até o naufrágio, descemos por uma corda, no melhor estilo “Dá-me um Cornetto, muito crocante...” Ah, não conhece essa propaganda? Então não teve infância!


Fui descendo a cordinha, e mergulhei com a dive master. Foi um mergulho de mais de uma hora, e não pude entrar no barco: para isso, tem que ter curso de naufrágio, e eu só tenho o básico, né?


Subimos pela cordinha, fizemos a descompressão a 5 metros e emergimos. A mergulhadora perguntou:


- Há quanto tempo você mergulha?


Euzinha respondi:


- Tirei a minha credencial o mês passado...


Ela retrucou:


- Só podia ser... seu mergulho foi péssimo!


Meu mundo ruiu! E eu pensando que estava arrasando! Mas aí ela me disse:


- Presta atenção, vou te dizer o que você precisa fazer. Se não sabe mergulhar, vai aprender agora!

Putz, agora vai ou racha, certo?

Por incrível que pareça, foi! No segundo mergulho, fui bem melhor, colocando em prática tudo o que ela havia me dito. E recebi os parabéns! Ah, que delícia receber uma massagem no ego...

Segunda qualificação: aprender a velejar, o que já era parte da viagem!

Tivemos um dia de curso teórico. Aprendemos algumas terminologias específicas, a ler uma carta náutica e até a manusear equipamentos. A essa altura, os integrantes da “Expedição Noronha” já estavam todos reunidos. Gente de todo o Brasil (e até uma brasileira que morava na Espanha) estavam prontos para uma grande aventura.

E que aventura... isso não estava descrito no roteiro!

Tivemos que agregar uma terceira qualificação ao nosso currículo: aprender a derivar!

Não, nada a ver com matemática. Falo de uma deriva mesmo.

Você leu certo, cidadão. Ficamos à deriva no oceano, por dois dias! Falei que as minhas viagens não eram monótonas...

Querem saber como foi? Eu conto!

Num dia de manhã, o veleiro Aussteiger, com todos a bordo, deixou o porto de Recife com destino a Fernando de Noronha. Todo mundo engomadinho, cheirosinho e animadinho!

Bom, isso não durou muito. Afinal, estávamos a bordo de um veleiro, cuja estabilidade é pouca, pra dizer o mínimo. Imagina uma pessoa o tempo todo sentado numa cadeira de balanço. É, foi assim mesmo! Já pensei: vou precisar de Dramin na veia pra aguentar isso aqui! Foi quando o nosso capitão, o Fernando, nos disse o seguinte:

- Evitem tomar remédios para enjoo. Vão ficar sonolentos e não vão curtir a viagem!

E eu, que havia pago uma nota preta para estar ali, fiz a única coisa que poderia ter feito. Nada de Dramin! Eu me recuso a perder qualquer evento, vou fazer valer o meu investimento!

Claro que, no início, a força de vontade não foi suficiente. Estávamos ainda perto do porto de Recife, e o café da manhã havia sido posto para nós. Uma delícia. Tudo farto, do bom e do melhor!

Como todo glutão que se preze, fui com tudo no pote de Nutella. Ah, esse tipo de coisa não costuma ter em casa. Afinal, meu pai é diabético, e eu estou de regime por toda a eternidade. Pensei com meus botões: vou aproveitar e enfiar o pé na jaca!

É, enfiei mesmo! Assim que o veleiro saiu das águas portuárias e entrou no mar aberto, tudo começou a balançar... balançar... balançar... e a Nutella se rebelou: aqui eu não fico!

Não ficou mesmo, botei tudo pra fora. Acho que fui a primeira a chamar o bom e velho Hugo. Pensei no Dramin, pensei no que perderia se dormisse o tempo todo no navio se tomasse o remédio... e aguentei, estoicamente, o enjoo. E isso era só o início da viagem!

Curso traçado, velas içadas, estávamos rumo a Fernando de Noronha, finalmente!

O princípio foi um mar de rosas. A brisa do mar no nosso rosto, conversas animadas entre companheiros de viagem, o capitão tocando violão e eu tentando acompanhar no gogó.

Mas o mais incrível era o céu à noite. Sabe aquela imagem que só se vê em um planetário? Era espetacular! Com direito a estrelas cadentes, jamais vi algo parecido em terra. Um verdadeiro momento Kodak.

A primeira noite foi de adaptação, já que, embora tracionado pelas velas, o veleiro não tinha muita estabilidade. Então, dormir era um desafio e tanto! Minha cama tinha duas almofadas, estilo “espaguete”, em ambos os lados. Na hora, não sabia pra quê iria precisar daquilo e tirei. Durante a noite, percebi a burrada que havia feito. Era jogada de um lado para o outro da cama e, sem as almofadas, dava cabeçadas na parede! Imediatamente, coloquei as almofadas no lugar de onde nunca deveriam ter saído.

No dia seguinte, já tinha gente arriando. Mesmo com as velas içadas e o motor funcionando ocasionalmente, a bagaça balança, e muito. Tinha gente que adquiriu um saudável bronzeado cor de fórmica, de tanto enjoo. E isso incluía um dos nossos marinheiros, o Manoel.

Esse sim, era uma figura! Era o nosso cozinheiro, e fazia viagens no veleiro com certa frequência. O problema é que o sujeito era um “lobo do mar” de araque. Enjoava mais do que os passageiros!

O pobre coitado ia nos servir o almoço quase chamando o Hugo. Eu via aquilo e tinha vontade de jogar tudo pra fora também. Mas ele não se dava por vencido e falava, num sotaque bem arrastado:

- Enjoo? Isso é “pisicológico”!

E botava os bofes pra fora...

Teve gente que começou a viver de fotossíntese depois disso!

O dia transcorreu bem e o Darcy, companheiro de viagem, conseguiu até pescar um belo peixe. Eu só ficava deitada ao relento, olhando para o céu e curtindo aquela aula de astronomia em alta definição. Mas eu não sou de ficar acordada até tão tarde, então eu me recolhi aos meus “espaguetes”, um pouco antes da meia noite.

Estava num sono leve quando, sem mais nem menos, ouço um barulho horrível, de metal retorcido, bem acima da minha cabeça!

Que horror!!

A minha cama era uma espécie de beliche, então eu praticamente grudei no teto, feito gato escaldado. Sabe aquele som de ferro retorcido que a gente ouve quanto o Titanic do James Cameron se parte em dois? Imagina aquele barulho bem acima da sua cabeça, em DTS!

Saí correndo da cama e fui ver o que tinha acontecido.

Acreditem, senhoras e senhores, o mastro principal desabou sobre as nossas cabeças! Partiu-se! Escafedeu-se!

Um vento repentino nos acertou com as velas içadas e o mastro não aguentou. Pediu arrego!

Instalou-se o caos no veleiro. Eu, sem saber o que fazer, ia de lá pra cá feito aquele urso perdido que aparecia no desenho do Pica-Pau. A ala masculina do barco tentava segurar o mastro que, após acertar a embarcação e quebrar a nossa geladeira, caiu na água. Como se não bastasse, chovia sobre as nossas cabeças.

Confesso que não acompanhei os detalhes do resgate do mastro. Nessas horas, muito ajuda quem não atrapalha. Fiquei quietinha no meu canto, enquanto os homens, de algum modo, conseguiram amarrar o mastro ao veleiro. Reparem na foto ao lado: o pessoal desmaiado de tanto enjoo, e o mastro amarrado!

Na manhã seguinte, tivemos que encarar a dura realidade. Estávamos sem mastro, sem velas. Sem geladeira. E também sem motor!

Sabe quando você tem problema, conta com o backup e fica na mão? Foi o que aconteceu conosco! De alguma forma, a queda do mastro danificou o nosso motor. Resumindo, estávamos sem qualquer tipo de tração! E o veleiro não tinha a opção de se converter em galé e chamar o Ben Hur para nos ajudar a remar. Estávamos à deriva no oceano!

Só tínhamos duas opções: esperar a corrente nos levar para o continente, em direção a Natal, ou pedir ajuda pelo rádio. Cuja antena, por sinal, estava no mastro!

Não sei quem deu um jeito na antena, mas conseguimos estabelecer uma precária comunicação via rádio. Nosso capitão bradava no microfone:

- Mayday, mayday, mayday, chamada geral de emergência, chamada geral de emergência, chamada geral de emergência alguém copia o veleiro Aussteiger, veleiro Austteiger, veleiro Aussteiger!

Duvido que alguém conseguisse entender o que ele falava, principalmente na parte do “veleiro Aussteiger”, de tão enrolado que era o sotaque!

Pouquíssima gente respondeu. Teve um que, ao saber da nossa posição, nos disse, na maior cara dura:

- Mas você tá muito looônge!!

Tá, mas dá pra chamar a guarda costeira? O cara repetia:

- Cê tá muito looônge!!

Aff!

O pessoal começou a se revezar para chamar por ajuda via rádio. Era tanto desânimo que o “mayday” virou “merdei” num piscar de olhos.

Foram 2 dias à deriva no oceano, chamando por socorro, comendo o que não dependia de geladeira (quebrada, lembram-se?) e tentando manter as nossas mentes sãs.

Acreditem, veleiro com tração balança. Mas sem isso... Jesus, Maria, José! Experimenta tentar viver dentro daquele brinquedo do falecido Playcenter, o Barco Vicking. Essa era a nossa rotina! As almofadas espaguete já não eram suficientes para manter a minha integridade física. E eu fui a única pessoa do veleiro (pausa para estufar o peito) que conseguiu tomar banho nos dois dias de deriva! Os frascos de shampoo e condicionador caíam na minha cabeça, eu tinha que me segurar pra não cair dentro do box, e tentar, na medida do possível, me depilar! Sabem aquele cara que fez a barba no filme “Apertem os cintos, o piloto sumiu 2”? A situação chegou perto. Não tive sangue frio, mas sangue de aço!

No segundo dia de deriva, as coisas começaram a ficar tensas. Ninguém se oferecia para nos resgatar, nosso prognóstico era ficar à deriva até alcançarmos o continente, a viagem praticamente perdida. E a ala feminina do grupo começou a se desesperar.

Umas fungavam baixinho. Outras, faziam beicinho. Eu só pensava: não acredito que paguei tão caro pra não chegar até Noronha! É muito azar!

Felizmente, o azar não durou muito. Finalmente, um pesqueiro de Belém do Pará, que ia para o penedo de São Pedro e São Paulo, apareceu para nos rebocar! Nunca esqueci o nome do barco: Mucuripe III. Salvos, enfim!

Nosso capitão jogou a nossa corda para o pesqueiro. Se fosse ao contrário, poderia perder a posse do navio, sabiam? Regras do mar. O pesqueiro amarrou a corda e começou a nos puxar...

E a corda arrebentou!

Tivemos que fazer toda a amarração de novo. Da segunda vez, funcionou, e o Mucuripe III nos rebocou, por cerca de 12 horas, até Fernando de Noronha. A viagem estava salva! Vejam, na foto ao lado, o mapa da nossa epopeia.

O mais engraçado foi a nossa chegada à ilha. Claro que, como não chegamos na data prevista, a guarda costeira estava à nossa procura. Os aviões da marinha já estavam prontos para decolar do continente e iniciar as buscas, quando finalmente conseguimos chegar. E quem nos esperava? A TV Golfinho, afiliada da TV Globo na ilha. Fomos entrevistados sobre a nossa aventura, passamos no noticiário local e viramos celebridades! A turma do veleiro Aussteiger chegou inteira, afinal!

Bom, falar dos passeios em Noronha daria outro causo. Mas nada tão diferente, tão desafiador, quanto uma deriva no oceano. Afinal, que operadora de turismo vende um pacote com uma atração dessas inclusas? Só pelo acaso mesmo!

Boa noite a todos!

7 comentários:

  1. Aff, Fê!... com você acontece de tudo, menina. Bom que sempre nos rende um bom causo...hehhehe.

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  2. Olá, boa noite! Esse veleiro se encontra atracado em Recife? Pois vi um com o mesmo nome hoje!! :)

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  3. Olá, boa noite! Esse veleiro se encontra atracado em Recife? Pois vi um com o mesmo nome hoje!! :)

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Olá, boa noite! Esse veleiro se encontra atracado em Recife? Pois vi um com o mesmo nome hoje, porém estava abandonado no cais. Achei muito curioso e resolvi procurar o que aconteceu :)

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  6. Este veleiro se encontra abandonado no PIC,em péssimo estado,uma pena,se não o tirarem de lá,vai pro fundo.E vai ser difícil tirar.

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  7. O ideal seria curtir uma travessia dessa sem panes. Da próxima vez aconselho checar a experiência e historico de manutenção!
    Carlos Elias
    Oficial de Máquinas

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