sexta-feira, 29 de março de 2013

Causos portugueses "made in Brazil"


Caro leitor, se espera ver aqui uma coletânea de piadas de português por causa do título, ficará desapontado. Como meus leitores fieis já sabem, os causos só trazem material inédito. E verídico!

Desta vez eu optei por dividir o causo em duas partes. A primeira, postada agora, fala de causos de portugueses que ocorreram no Brasil. A continuação trará relatos dos causos brasileiros ocorridos em Portugal, aguardem!
Vamos rir um bocadinho...
Os portugueses sempre estiveram presentes na minha vida. A começar pelo meu pai, nascido e criado em Rio Tinto – Esposende. Ele veio para o Brasil com 18 anos, viajou boa parte do mundo, conheceu mamãe... e ficou por aqui mesmo. Mas tenho contato com parentes e amigos da terrinha. Já visitei Portugal uma vez e, este ano, vou lá novamente para um casamento que promete ser espetacular. Que vai, certamente, render outro causo!

Tenho tios e primos portugueses que moram aqui no Brasil há muitos anos, então já estão “aclimatados” à nossa cultura e ao nosso sotaque. Eu mesma mal percebo o sotaque do meu pai. Já meus amigos, quando se referem a ele, me perguntam: “E o seu pai, Prrrrrnanda”?

Mesmo aclimatados, os portugueses não esquecem, por óbvio, seus costumes. Um deles é o de que as mulheres devem usar ouro. Podem reparar, os trajes típicos portugueses estão sempre carregados de ouro, principalmente em forma de correntes sobrepostas no pescoço. É nada mais, nada menos do que o famoso dote.


Meus pais me contaram que, quando eu era um bebê, um primo português que morava aqui no Brasil foi me visitar. Olhou pra mim, no berço, e fez o seguinte comentário, indignado:

- Essa menina tá sem ouro! Não vão colocar ouro nessa menina? Nem um colarzinho?

É, as miúdas portuguesas já ganham ouro assim que nascem. E naquela época de vacas magras, meus pais não estavam podendo me cobrir de ouro, se é que me entendem!

A primeira vez que tive contato com parentes portugueses que nunca moraram no Brasil foi há muito tempo. Eu deveria ter uns seis ou sete anos, então não me lembro sequer da  fisionomia da pessoa. Sei que era uma tia, daquelas tradicionais, vestida de preto e um tanto quanto retrógrada, para dizer o mínimo.

Explico. Minha mãe me contou a história.

Naquela época, mamãe dava aulas de dança (jazz) à noite e, quando voltava para casa, vinha com a roupa do trabalho: uma calça de lycra preta, justa, polaina, regata e por aí vai. Como ela chegava mais tarde, meu pai tomava conta de mim. E essa tia chegou justo na hora em que meu pai me dava o jantar. Logo depois, chega a minha mãe, vestida com a tal calça de lycra. Os cumprimentos foram polidos e o jantar transcorreu normalmente.

O problema é que, ao voltar a Portugal, a tal tia não foi nada... hã... gentil ao descrever a minha mãe para os outros parentes! Ao falar da esposa do Joaquim (vulgo papai), ela foi concisa:

- A mulher do Joaquim chegou tarde da noite, a miúda era cuidada pelo pai...

Um pouquinho mais de veneno:

- Trajava uma roupa justa...

E arrematou:

- “Diz” que “trabalha”...

Já imaginaram o que ela quis dizer com isso, não?

Outra parente digna de causo veio ao Brasil em 1998. Era a minha prima Natália. Ela tem a minha idade, é enfermeira e divertidíssima. Conheceu SP comigo de cabo a rabo, e eu a apresentei à minha delícia culinária favorita: coxinha de galinha. Ela também conheceu o pão de queijo, o pastel de feira com caldo de cana e a famosa feijoada do papai.
A comunicação entre nós era tranquila, mas os ruídos existiam. Com ou sem reforma ortográfica, algumas palavras têm significado diferente. E pude testemunhar isso de uma maneira totalmente inusitada durante um passeio pelas ruas de SP com a minha prima. Em uma parede, lia-se a seguinte pichação: ABAIXO O PACOTE!
Natália só faltou rolar no chão de tanto rir!
Eu fiquei perplexa. Afinal, temos pacote turístico, pacote econômico e por aí vai. Qual o problema?
A resposta: pacote, em Portugal, quer dizer traseiro! Quem em sã consciência ia pedir para a mulherada ficar de bunda caída? Ainda mais no país do carnaval? Foi a minha vez de gargalhar!

Certa vez a Natália machucou o dedo, e precisava fazer um curativo. Então ela se virou para mim e perguntou:

- Prima, por acaso tens um “penso-rápido”?
Heim? Fiz cada de paisagem, nem imaginava o que poderia ser isso! Sei que sou meio devagar para pensar, mas não precisava jogar na cara, poxa! Ela viu a minha expressão e adotou o famoso método inglês: falou alto e devagar, imaginando que eu poderia entender o que ela dizia:

- Peeennnnsso rrrrrápiiiidoooo...

Minha cara de paisagem persistia. Até que ela me explicou que desejava proteger o ferimento. Fiz cara de eureca!

- Ah, Band-Aid!

O penso-rápido, em Portugal, nada mais é do que o nosso Band-Aid, ou seja: um curativo que se faz rapidamente. Mais literal, impossível!

Naquela época, em Portugal, a televisão passava a novela brasileira “Rainha da Sucata”, e ela me pediu para conhecer a Av. Paulista e o prédio da Dona Armênia que, volta e meia, quase ia “na chon”. E eu a levei para ver o prédio que, hoje, é do TRF da 3ª Região. Também quis
perambular pela avenida, e foi o que fizemos.

Chegando ao parque Trianon, ela ficou encantada com a exuberância da vegetação dizendo que, em Portugal, plantas assim só cresciam em estufa. Então eu a levei para passear além da fachada.

Como todo paulistano sabe, o Trianon não é lá muito bem frequentado, dependendo do horário. E naquele dia, garotos de programa estavam “fazendo ponto” no local. Alguns até levaram lanche num saquinho, que ficava acomodado ao lado. Vai que o dia de trabalho se estende muito, né? Eu olhei pra ela, ela olhou pra mim... e nada precisou ser dito, ela “pescou” a profissão dos sujeitos na hora.

Quando voltamos para casa, minha mãe perguntou:

- O que achou do parque Trianon, Natália?

E ela respondeu, no seu sotaque carregadíssimo:

- Muito giro (bonito)! O parque estava repleto de bichinhas! Todas bonitinhas, todas sentadinhas, lanchinho ao lado... tão femininas!


Chorei de rir!

Em outro dia, Natália fez um comentário sobre um logradouro em Portugal, cujo nome não me lembro. Porém, segundo ela, não havia no mundo uma rua tão cheia de gente quanto aquela.

Da minha parte, só pensava nos cento e tanto milhões de brasileiros contra alguns milhões de portugueses. Claro, ficava difícil de imaginar a cena que ela descrevia com riqueza de detalhes. Foi então que o “espírito de porco” baixou em mim. Estampando o meu melhor sorriso “Gato de Cheshire”, eu a desafiei:

- Vou te levar a um lugar que vai colocar essa rua portuguesa no chinelo!

A pobre coitada aceitou o desafio. Ah, se ela soubesse...

Realiza a cena: Rua Vinte e Cinco de Março. Época do ano: VÉSPERA DE NATAL. Dia da semana: SÁBADO. E, para fazer daquela uma experiência bem traumática, eu a levei até lá DE CARRO!

OK, posso ser má quando eu quero. Muahahaha!!!

Peguei meu carro da vez, um Peugeot 106 que era menos confortável de dirigir do que a biga do Judá Ben-Hur, mas era o que tínhamos para o dia. A Natália foi toda na estica: sapatos sociais, saia, bolsa, brincos, relógio, corrente no pescoço e seu inseparável anel de curso. Sabem aqueles anéis de formatura, cuja cor da pedra depende do seu curso? O dela não era bijou, era joia da melhor qualidade. Inseparável, quase nunca saía das mãos dela.

Olhei para o sapatinho, para os balangandãs, para o anel...  e fiquei quieta. Tudo ao seu tempo.


A título de comparação, minha vestimenta para a ocasião: camisa velha, bermuda velha, tênis velho, bolsa velha e pequena atravessada no tronco. Sem balangandãs, sem celular. Pronta para invadir a Normandia.

Lá fomos nós para o nosso Dia “D”. Peguei a Rua da Boa Vista, em direção ao Mosteiro de São Bento. Minha intenção era descer à direita na Ladeira Porto Geral e entrar à esquerda na Rua Vamhagem, onde sabia que tinha um estacionamento.

Se alguém quer conhecer o inferno na Terra, e não quer se aventurar no fórum da Justiça Estadual (explico o porquê no causo http://causosdafefa.blogspot.com.br/2013/02/ficha-limpa-eu.html), a Vinte e Cinco de Março é o “point”. Não se vê o chão de tanta gente, ambulantes disputam espaço com os pedestres e dirigir no local é prova de insanidade mental. Eu sabia disso. E fui preparada para enfrentar um perrengue de proporções hecatombásticas. Tudo em nome do “tour educacional”.
Peraí, vou limpar o veneno que está escorrendo aqui...

Continuando!
Já na rua Boa Vista, o trânsito estava completamente parado. A velocidade máxima do caro era de 3 km/h, e precisei tomar o máximo de cuidado para não fazer dos pedestres pinos de boliche. Eles batiam na lataria do carro, tentando atravessar a rua. O barulho era infernal, gritaria para todo lado. Natália me olhava com seus olhinhos de jabuticaba arregalados de pavor quando o carro, devido o mar de gente, começou a sacudir! Era tanta gente indo e vindo que ficamos chacoalhando lá dentro, feito recheio de maracas! Eu, já sabendo que isso poderia acontecer, não me fiz de rogada: mantinha um sorriso complacente no rosto (escondendo meu pavor crescente) e falava com o maior ar blasé:
- Ah, isso é normal, nem tem tanta gente assim hoje...
E acenava para os pedestres no melhor estilo Rainha Elisabeth!
Foi quase uma hora para chegarmos ao estacionamento. Natália, cada vez mais em pânico. Estávamos prontas para enfrentar a multidão quando meu “espírito de porco” deu uma arrefecida. Disse à Natália:
- Prima, é melhor você guardar todas as suas joias. Isso pode te trazer problemas por aqui...
Foi a deixa: ela tirou o anel de curso, a correntinha, o relógio e os brincos. Guardou tudo na bolsa, uma enorme e nada discreta sacola de couro. Não pude fazer nada em relação aos sapatos dela, teria que descer a ladeira de salto mesmo!

Devidamente despidas de quaisquer ornamentos, nos misturamos à horda ensandecida que buscava presentes de Natal a preço de banana. Ficamos cerca de duas horas sendo levadas pela massa de gente de um lado para outro, visitando algumas lojas e curtindo o delicioso “calor humano” de um lugar digno da alcunha “inferno na Terra”.
Levei a Natália a lojas de fantasias e dei a ela um boá de pluma lilás, absolutamente glamuroso. Disse a ela:

- Não pode deixar o Brasil sem levar plumas e paetês daqui!
Quando conseguimos voltar ao estacionamento, o boá que estava devidamente acondicionado numa sacola já estava murcho de tanto empurra-empurra. Nós duas, esbaforidas. Pedi pelo carro, guardamos as compras e Natália, imediatamente, colocou os balangandãs no lugar: anel, brinco, colar e relógio. Deu um jeito na cabeleira e respirou aliviada. Os sapatos voaram longe, os pés dela latejavam de tanto andar.

Virei para ela e disse, fingindo desinteresse:
- Tem bastante gente aqui, não?

Ela respondeu, puxando bem os “esses” e os “erres”:
- Ai, Jesus! Que horror!! Que horror!!

E fitava a janela com um ar chocado, balbuciando “Ai, Jesus”, até conseguirmos sair no meio do caos.
Eu nada disse, o recado estava mais do que dado! E ponham isso na cabeça, forasteiros: se um paulistano te disser que um determinado lugar é cheio de gente, ACREDITE! Somos cerca de vinte milhões por aqui, de “calor humano” nós entendemos, certo?

No fim das contas, tudo acabou bem. Creio que a Natália tenha gostado de SP. Pena que não saí tanto com ela quanto gostaria, pois estava estudando para a primeira fase do exame da OAB naquela época. Não deu para irmos ao Rio de Janeiro, sonho de dez entre dez turistas que vêm ao Brasil. Vai ficar para a próxima.
Ah, e no ano seguinte, retribuí a visita. Passei quase três semanas em Portugal, passeando com a Natália e conhecendo uma infinidade de parentes. O que redeu uma infinidade de causos também. No próximo post eu conto, são de chorar de rir!

Ah, e só por curiosidade, passei na OAB, e na primeira tentativa!
Boa sexta-feira Santa, pessoal!

segunda-feira, 25 de março de 2013

Pedalando em Nova York

Ponte de Washington
Hoje o causo da semana é sobre uma das minhas maiores paixões: pedalar! E pedalar enquanto se está viajando, é melhor ainda!

A ideia para o causo semanal veio da minha madrinha de pedal, a Juliana Carmesim. Foi ela quem me (re)apresentou à bicicleta, há cerca de um ano e meio. Comecei nos pedais urbanos, fiz muitas trilhas, até já participei de uma competição, o Endurance (só esse evento é um causo à parte). Fiz amigos para a vida toda nesses pedais. Ganhei resistência física e uma perspectiva de SP completamente diferente. E olha que eu nasci e cresci nessa selva de pedra!

Ontem a Ju publicou seu primeiro causo no Facebook, contando a experiência de se pedalar em Angkor, no Camboja! Uau! Digo a vocês, a Ju tem razão: quem pedala faz um turismo completamente diferente. Vê as atrações turísticas por outro ângulo. E não importa o destino, a experiência é sempre única! E eu, graças a ela, comecei a experimentar essa nova alternativa de passeio nas minhas viagens. Resultado: muita diversão e causos pra contar!

O causo de hoje é sobre a minha experiência de pedalar fora do país. E a primeira aventura no exterior sobre duas rodas foi em Nova York, o pedal coxinha mais glamuroso do planeta! O glamour dispensa maiores comentários, mas explico o porquê do “coxinha”: Manhattan é, em sua maior parte, plana. Nada de ladeiras. Então, mesmo para um iniciante dos pedais, é um passeio bem acessível, em termos físicos. Financeiros, também; gasta-se de 30 a 50 dólares por dia numa bike alugada. Você vai para onde quiser, no seu tempo, parando para tirar fotos e apreciar a paisagem. Liberdade total!

Ciclovia às margens do Rio Hudson
Confesso que, para mim, Nova York é um destino muito familiar. Tenho parentes lá, que sempre me recebem muitíssimo bem, e moram pertinho do metrô. Então, no meu caso, é mais fácil (e barato, diga-se) ir para lá do que ir para o nordeste. E por mais que as praias do nordeste sejam espetaculares (eu sei, já fui a várias), a Big Apple é sempre... a Big Apple!

Já perdi as contas das vezes que fui lá, e já fiz passeios que estão fora de qualquer circuito turístico tradicional. Mas devo confessar, nunca fiquei tão íntima da cidade como na última vez, em 2011, quando decidi alugar uma bike em Manhattan e conhecer a ilha pedalando. Influência da Ju!

Por dois dias, aluguei uma bike na empresa Bike and Roll, uma das muitas que oferecem o serviço em NY. Eles têm, inclusive, tours guiados, com várias opções de roteiros. Para quem é novo na cidade, é uma ótima pedida. Eu, “macaca velha”, preferi alugar a bike e passear por conta. Fui sozinha, pois na época, ninguém da família me acompanhava nos pedais. Hoje, felizmente, a situação é outra. Meu pai já tem a própria bike, e não faz feio, mesmo com quase 69 aninhos!

Como já saí do Brasil com a ideia de pedalar, levei meu par de luvas e minha bandana. Felizmente, pois os capacetes disponíveis para locação são meio... hum... fedidinhos mesmo. As luvas não deixam suas mãos escorregarem no guidão, item de segurança importantíssimo, além de darem uma amenizada no frio.

No primeiro dia de aluguel, decidi contornar toda Manhattan de bike, e aproveitar para fazer algumas compras. Saí do Píer 84, na a ciclovia que margeia o rio Hudson e fui para a parte baixa da cidade, em direção a Wall Street. Claro, tudo de caso pensado, pois fui atrás de uma encomenda, cuja loja ficava nessa parte da cidade.

Devo confessar: não sou de trazer encomendas pra ninguém. Meu lema é “perco o amigo, mas não trago a encomenda”. Acho complicado comprometer uma viagem atrás de algo para outra pessoa, já que, muitas vezes, isso implica em alteração de cronograma e perda de tempo. Mas como conheço bem NY, atendo a alguns pedidos, mas só de pessoas muito, muito especiais mesmo. E uma dessas pessoas é a minha “aprendiz de peruagem”,  Beatriz Jarnyk!

Conheci a Bia porque cantava com o pai dela, o Ronaldo, que também toca piano. A mãe, Patrícia, também participava. E a Bia, como eu, é louca por sapatos e bailarina (calma, isso é outro causo). Assim, fiquei amiga da família toda.

NY é, provavelmente, o único lugar em que se pode comprar as famosas sapatilhas de ponta Gaynor. Sob medida, com inúmeras variações, são utilizadas pelas melhores bailarinas do planeta. E a Bia queria uma dessas, claro. Até eu, se ainda dançasse, iria querer! A Patrícia me perguntou se eu poderia trazer as sapatilhas para a Bia e concordei de imediato. Mamão com açúcar!

Com o endereço na mão e, de bike, fui atrás das sapatilhas. Cheguei ao número indicado e estranhei: não vi qualquer letreiro, era uma rua estritamente residencial. Mas estava com o endereço correto, imprimi a página do site, pelamordedeus! Desci da bike, coloquei a trava de segurança no lugar (já inclusa no aluguel) e me pus a procurar.

Achei a “loja”. Sabem qual era a indicação? Um pequeno cartão de visitas, colocada na porta. Discretíssimo. Se não tivesse descido da bike, sequer teria visto!

Toquei a campainha. Minutos depois, fui atendida por uma sílfide, obviamente uma bailarina daquelas que, se estão de frente, parece que estão de lado e, se estão de lado, parece que foram embora. Coque na cabeça, roupa de ballet e tênis. Parecia que poderia entrar no palco a qualquer momento. E, quando ela abriu a porta, deu de cara comigo: uma mulher de curvas generosas (ah, um bom eufemismo...), capacete, óculos de sol e luvas de ciclismo. Eu carregava uma pequena bolsa atravessada, estilo Indiana Jones. Ou seja, destoava por completo das freqüentadoras da loja.

A mulher me olhou, assustadíssima. É como se alguém contemplasse o “Exterminador do Futuro” ao lado da sua preciosa cristaleira. Ela se recuperou, assumiu um ar levemente polido, totalmente perplexo, e me perguntou:

- Posso ajudar?

Eu disse:

- Bom dia, gostaria de comprar sapatilhas de ponta.

O queixo da mulher caiu. O que uma brucutu iria querer com sapatilhas de ponta? Ao ver a cara dela, logo acrescentei:

- Não são pra mim, são para uma amiga!

A sílfide respirou aliviada, como se o mundo fizesse sentido!

Comprei os dois pares de sapatilha nas especificações passadas pela Bia. Foi sorte, nem sempre eles mantêm um estoque que permita comprar mais de um exemplar. Enquanto esperava a entrega, bailarinas iam de um lado para outro da loja, que atende por hora marcada para aquelas que desejam fazer o “fit”. A bailarina é atendida por alguém que, analisando pisada, corpo, estilo e tamanho do pé, indica o melhor modelo para ser utilizado. E eu, que sequer me dei ao trabalho de tirar o capacete, atraía olhares curiosos das freqüentadoras. Fiz a minha cara patenteada de “e o quico?”, peguei as sapatilhas e fui embora.


Ponte do Brooklyn

Sacolinha cor de rosa no guidão, continuei meu tour. Fui até Wall Street e pedalei em direção a ponte do Brooklyn. Tem ciclovia na ponte! Aliás, NY está cheia de ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas. A empresa de aluguel de bike dá aos clientes um mapa com as vias mais seguras para se pedalar. Atravessei a ponte, pedalei pelo Brooklyn e voltei pela ponte de Washington. Fui em direção ao Harlen, pedalando pela 2ª Avenida, cheguei ao extremo de Manhattan e voltei novamente para o Píer 84. Pedalei por 8 horas, nem tenho ideia da quilometragem. Devolvi a bike já à tardinha, feliz da vida por ter pedalado, sem o menor problema, em plena 5ª Avenida! Entenderam agora o porquê do glamour?

O dia seguinte seria o meu último em NY. Estava com passagem de trem comprada para a Filadélfia, então aproveitei para trazer as encomendas finais e fazer as últimas compras. E como já sabia que voltaria carregada de coisas, levei para o pedal a minha “discreta” mochila de 45 litros às costas. Se antes eu era o “Exterminador do Futuro”, agora eu era o Hulk!


Aluguei a bike no Central Park, desta vez. Pedalei por todo o parque, tirei muitas fotos, curti a natureza cuidadosamente planejada do lugar. Depois, saí do parque e pedalei, livremente, pela cidade. Sempre respeitando, obviamente, a sinalização. Fazendo isso, não se tem problemas para pedalar, os motoristas respeitam muito o ciclista. Afinal, um processo por atropelamento pode ser a ruína do motorista imprudente, então todo cuidado é pouco, certo? Eu fazia a minha parte: ia pela direita, sinalizando com antecedência minhas mudanças de rota. Foi realmente um passeio muito tranqüilo.

Fiz uma última parada na Macy’s. Como sempre tem uma fachada por perto em obras, cheia de andaimes, é fácil parar a bike em NY. Entrei na loja toda equipada e de mochila enorme. O Hulk na Macy’s, não tinha quem deixasse de olhar. Desta vez, nem tirei os óculos de sol, só a mochila, para guardar as compras.


Com o mesmo figurino, o Hulk que vos fala foi fazer compras na Sephora. Consegui um estojo de maquiagens para a Bia que, pelo que soube, fez o maior sucesso entre as bailarinas de SP. Mas tinha que me mover na loja com cuidado, pois uma esbarrada da mochila poderia levar ao chão dezenas de frascos de perfume!


E foi nessa loja da Sephora que vi algo que me fez repensar meus conceitos sobre a famigerada “cara de pau”. Lá eles mantêm um display com todas as cores de esmalte possíveis e imagináveis. Também tem, à disposição das clientes, removedor de esmalte, algodão e cotonete. E sabem o que algumas mulheres por lá fazem? Vão até o mostruário, escolhem o esmalte mais tranchã disponível, pintam todas as unhas das mãos, fazem o acabamento com o removedor... e vão embora! Não compram uma agulha sequer!

Já pensou se fazem um mostruário desses no Brasil? É capaz da mulherada pintar até as unhas dos pés...


Fiz o pinga-pinga de lojas o dia todo. Teve gente, por exemplo, que me pediu lápis especial para desenho. Precisei passar por 3 lojas diferentes até conseguir comprar a quantidade pedida. Na última, já com a coluna reclamando, não resisti: como as caixas de lápis estavam dispostas nas prateleiras de baixo, eu simplesmente sentei no chão, pernas cruzadas, e procurei as cores que precisava. O atendente veio falar comigo:


- Você está bem? Precisa de algo?

E eu :


- Está tudo bem, é que a idade está começando a pesar, sabe como é...

O sujeito sorriu e me deixou sentada no chão mesmo.

Outro amigo havia pedido um cd de uma banda não muito conhecida, mas de qualidade. Rodei várias lojas de cd, sebos, antiguidades... e nada! Essa encomenda eu fiquei devendo, mas conheci partes da cidade que nunca havia visto antes. Valeu à pena!


Mas tive um probleminha. Nessa busca, eu acabei perdendo a noção do tempo e, quando dei por mim, tinha menos de uma hora para devolver a bike. Eu estava, novamente, pra lá de Wall Street, e a bike havia sido alugada no Central Park. Putz! Tinha que devolver naquele dia, pois viajaria bem cedinho para a Filadélfia no dia seguinte, não dava pra devolver depois!


Nesse dia, fiz a coisa mais insana da minha vida em termos de pedalada. Cruzei boa parte de Manhattan a toda velocidade, na hora do rush! Era o meu contrarrelógio particular, eu tinha que chegar a tempo! Eram 17:20 e estava em Wall Street. Tinha que chegar ao Central Park às 18 horas, no máximo, ou teria que pedir ao meu saudoso tio para devolver a bike por mim. Mico em proporções King Kong!



Occupy Wall Street

Tracei uma rota na cabeça e me pus a pedalar. Mas, logo de início, peguei uma manifestação pelo caminho: era a “Occupy Wall Street”! Mesmo com pressa, parei e tirei fotos, não tinha como deixar passar isso, eu numa manifestação e de bike!



Pedalei até por ruas de paralelepídedo. É, tem dessas em NY, sabiam? Só me dei conta porque a minha bike não tinha amortecedor e a minha coluna reclamou um bocado. Costurei no meio do trânsito e admito, para minha própria vergonha, que furei alguns sinais vermelhos. Só pensava: tenho que chegar a tempo, tenho que chegar a tempo! Voei pelas ruas da cidade, mais rápido do que qualquer carro ou ônibus. Dava uma sensação boa passar voando na frente daqueles carros chiquérrimos, caríssimos... e parados no trânsito.


Com o coração na mão, cheguei ao ponto de aluguel às 18:07h. Putz, e agora, consigo devolver? O caixa já estava fechado, o sujeito se preparando para ir embora. É, vou ter que ajoelhar no milho:

- Moço, por favor, eu preciso devolver essa bike, vou embora da cidade amanhã!

O sujeito:

- Hum...


Eu só pensava no meu cartão de crédito registrado naquele caixa. Vão acabar debitando o valor da bike nele! Até que ouvi o seguinte:

- Ah, tá bom, vai...

Consegui devolver a bike!

Desmontei e desequipei. Saí com o meu recibo das horas pedaladas e, cambaleante, fui em direção à Apple Store, que fica pertinho, em frente ao Central Park. Eu tremia. Era adrenalina combinada ao esforço físico intenso e à tensão que, aos poucos, ia me deixando. Até as minhas pernas pararem de tremer, fiquei em um computador Apple de última geração, navegando na internet e pensando como eu era incrivelmente bocó. Por que tal pensamento? Oras, tinha um ponto de devolução de bike pertinho de Wall Street...

Isso é o que dá não olhar no mapa!

Bom dia, pessoal!

Central Park

sexta-feira, 22 de março de 2013

Elevador: modo de usar

Pois é, pessoal, hoje é o meu aniversário e, para comemorar, aqui vai um causo novo. E não é curtinho pá-pum, é um robusto!

Até pensei em escrever sobre minhas celebrações de aniversário, mas não tenho alguma passagem digna de causo para relatar. Mas em compensação, quando o assunto é elevador... aff, dá vontade de espumar de raiva. E isso, claro, gera um causo!

Vamos lá.

A princípio, parece simples usar o elevador: quer ir para cima, aperta o botão de “subir”. Para baixo, “descer”. Mas em geral, as coisas mais simples se revelam bem complicadas...

Temos as situações clássicas. A criatura aperta os dois botões, para ver se o elevador “chega mais rápido”. Não percebe que, assim, o elevador faz uma parada a mais e, como conseqüência, demora ainda mais para servir os andares. Só que racionalidade é artigo de luxo, não se acha fácil por aí. Ou então a pessoa é bipolar mesmo: se estiver subindo, eu vou; se estiver descendo; eu vou também!

Aqui no fórum onde trabalho, usar elevador é uma aventura. E não falo em termos de manutenção, pois geralmente temos pelo menos um elevador quebrado. O fluxo de pessoas é grande, nossos quatro elevadores têm fila na porta. Infelizmente, uma parcela considerável de usuários só se move por “impulso inercial” (falei certo?), ou na base “Maria vai com as outras”. Se tem fila, tá dentro!

Acreditem: boa parte dos que estão na fila vão subir ou descer poucos andares. Ou um andar, apenas. A pessoa fica de pé por 10 minutos esperando a vez no elevador, mas é incapaz de subir um andar de escada!

Claro, não falo dos idosos, deficientes, aqueles que estão de carrinho de mão cheio de processos, ou mesmo doentes. Esses não conseguem usar a escada, tem que pegar o elevador nem que seja por um andar, óbvio. Falo de gente de boa saúde, que sai martelando os sapatinhos salto agulha nas ruas esburacadas de São Paulo e é incapaz de tomar a iniciativa de usar a escada. Toda vez que uma pessoa usa o elevador para subir apenas um andar, eu olho com um ar de censura: pessoa inútil, folgada, bocó!

O pior é para descer. Pegar o elevador para descer 1 andar? Aff, fala sério! É fato público e notório que, pra baixo, todo santo ajuda! Quer um empurrão? Eu ajudo! Se é por falta de adeus...

Tem outro tipo de passageiro de elevador: o incrédulo. É aquele que, mesmo vendo que o botão do elevador está apertado, vai lá e aperta de novo. Vai que a primeira pessoa só acendeu a luz e não chamou o elevador, né? Coisas do além do aquém, com diria Bento Carneiro.

Mas tem uma situação que me enlouquece, e eu não sei como os ascensoristas agüentam passar por isso, todo santo dia. Eu já teria me aposentado por invalidez. É a seguinte: o elevador chega ao andar e a seta aponta para baixo. Ou seja, vai descer. A criatura do lado de fora pergunta, com voz lacônica:

- Sobe?

Arrrghhh!! Já aconteceu de, estando do lado de fora também, eu dizer para a pessoa:

- Olha a seta ali, ó! Lá em cima! A seta, ó!

Acho que estou precisando de uns florais...

Até gente contratada especificamente para orientar o público a usar elevadores tem dificuldade. Estava eu no Shopping Bourbon, quando uma senhora idosa se aproximou do elevador. Uma segurança do shopping, solícita, perguntou à mulher:

- Deseja subir ou descer?

A idosa respondeu:

- Descer.

E a atendente apertou o botão para subir!

Olhei para aquilo e não resisti. Disse:

- Mas ela quer descer, por que apertou o botão para subir?

A atendente:

- É que o elevador precisa subir para, depois, descer!

Aff! Respondi:

- Mas é apertando o botão para descer que o elevador vai subir para te pega e te levar para baixo. Não é necessário apertar o botão para subir!

A mulher me olha com uma cara de espanto. E arremato:

- Jura que te colocaram para orientar as pessoas no elevador... e não te explicaram como a bagaça funciona?

Cri-cri... cri-cri...

Ou eu que sou a pessoa “crica”? Vai saber...

Para arrematar, vou contar o que me aconteceu no Shopping Pateo Higienópolis, não faz muito tempo.

Estava no andar da praça de alimentação. Esperava o elevador para ir até a garagem, pegar o carro e ir embora. Quem conhece o shopping sabe que, acima da praça de alimentação, não há piso para o público, só funciona a parte administrativa. Junto comigo, um grupo de adolescentes, uns cinco ou seis, aguardava no hall dos elevadores.

Tudo tranqüilo, até que aparece uma mulher, beirando os cinqüenta anos, creio. Vestida no melhor estilo “jardineira amadora”, chapeuzinho estilo “turista japonês” na cabeça. Ou seja, claramente não era uma funcionária do shopping. Carregava um saquinho do McDonald’s e parecia muito aflita. Mesmo com o botão para descer já apertado e devidamente iluminado, ela apertou o botão para subir. E eu abri a minha boca, como de costume:

- Mas a senhora vai subir pra onde? – disse, perplexa. Afinal, não tem lojas no andar de cima, lembram-se?

Os adolescentes olharam para mim e, imediatamente, caíram na gargalhada!

A mulher não gostou. Saltitando de nervoso, Respondeu:

- Meu lanche! Vai esfriar meu lanche! Tá demorando muito, vai esfriar meu lanche! Tenho que ir pra casa comer meu lanche!

Heim? Mais gargalhadas dos adolescentes. Alguns deles até começaram a enxugar lágrimas, de tanto que riam. A mulher parecia um pônei saltitante!

Queria rir também, mas como estava no meio de um colóquio, adotei uma expressão levemente perplexa. E respondi:

- Como está com tanta pressa, não seria melhor usar a escada?

Ela saltitou ainda mais!

- Meu lanche! Tá esfriando meu lanche!

E foi correndo para as escadas.

Poderíamos ter sido poupados de toda essa cena se ela tivesse pensado nas escadas, não? Assim, não teria que comer o lanche frio!

Bom dia, pessoal!

quarta-feira, 20 de março de 2013

Rir é o melhor exercício!

Mais um causo pá-pum! 

A advogada sai da audiência e pede para levar o processo.

Faço a carga dos autos no sistema, que imprime as duas folhas obrigatórias: uma para o nosso livro, outra para o processo.

Pego as folhas, mas as deixo cair no chão. Sabe aquela pegada de gente doente, que mal se agüenta em pé? Então. Mas não é o caso, meus dedos estão duros de tanto frio. O ar condicionado do fórum não dá trégua!

Faço uma cara desolada/emputecida com a queda dos papeis. A advogada olha e expressa sua solidariedade com um sorriso contido.

Olho para ela e não deixo de comentar a minha “pegada fraca”:

- O pior é que eu nem posso alegar desnutrição!

A advogada cai na gargalhada! Pega o processo e vai, toda risonha, para casa.

Mais uma pessoa que sai com a sua cota de abdominais do dia cumprida. Acho que vou pensar numa carreira alternativa: personal trainer!

terça-feira, 19 de março de 2013

Causo pá-pum: Pimenta nos olhos dos outros é refresco!

Pra quem não sabe, os causos pá-pum são curtinhos, são relatados “no calor dos acontecimentos” e nunca, nunca são programados!

Este me aconteceu agorinha mesmo.

Fui a uma loja Camicado, ver algumas coisas para a cozinha que estou montando no salão lá de casa. Como o espaço é nada mais do que um balcão com frigobar, tudo tem que ser compacto e prático.

O produto que eu estava procurando era um moedor de pimenta do reino e sal grosso. Coisa simples.

Pensei, na minha ingenuidade: ah, vou comprar aqueles de madeira pequenos, é mais do que o suficiente!

Mas a tonta aqui foi na Camicado, né?

Primeiro a atendente me mostrou um enorme, de porcelana. Eu expliquei a ela o tamanho da cozinha, queria algo pequeno e prático.

Aí ela me mostrou um pequeno, a manivela. De acrílico, se não me engano. Achei charmoso, mas logo pensei: deve ser uma fortuna.

Perguntei, na maior ingenuidade:

- Qual o preço?

A atendente:

- São 175 reais.

O QUÊEEEE???

Meu queixo caiu, arregalei os olhos... e comecei a gargalhar descontroladamente!!

Ah, fala sério, tudo isso por um moedor de pimenta do reino?

A atendente ainda tentou justificar, se bem que ela já estava rindo comigo (ou da minha cara, vai saber):

- É de acrílico, de boa qualidade...

E eu respondi:

- Com um preço desses, eu vou moer a pimenta é no murro mesmo!! Hahahaha!!

Nós duas rimos! Ela, mais contida, porque estava no trabalho. Eu, sem pudor algum, virei atração na loja. Todo mundo olhava, mas eu nem aí. Chorava de rir, como se tivesse pimenta nos olhos...

Não tinha como deixar passar o absurdo da situação. Quem compra algo tão caro, ou está podendo jogar dinheiro no lixo, ou não tem senso de noção!

Gargalhada: a melhor forma de se fazer abdominais! Já ganhei meu dia!

Boa tarde, pessoal!

segunda-feira, 18 de março de 2013

Construir e reformar, uma aventura!


A ideia para o causo desta semana surgiu porque, ao tentar arrumar um vazamento na pia da cozinha do salão, descobri um furo na cuba. Isso mesmo, um furo! Já tremo só de imaginar o que vou ter que fazer para consertar: desmontar a pia, trocar a cuba, cimentar tudo. Acho que vou me valer da boa e velha gambiarra e consertar com durepox!

Atire a primeira pedra quem nunca passou um perrengue construindo ou reformando sua humilde residência. Todo mundo tem um causo pra contar, certo? Meus amigos já me contaram vários. E, claro, tenho meus próprios causos!

Aqui em casa, tenho a sorte de contar com a ajuda do meu pai. Ele é um faz-tudo: lava, passa, cozinha, costura e, claro, constrói. Faz tudo direitinho, no capricho. Mas nem sempre as coisas saem como esperado, não é?

Os causos mais engraçados aconteceram nos anos 90, quando nossa família tinha uma chácara em Cotia, perto de SP. Compramos o terreno vazio, minha saudosa mãe desenhou a planta e, após conseguirmos a aprovação da papelada, contratamos os pedreiros, que ergueram a estrutura principal.

Até aí nada de anormal. Meu pai supervisionava a obra, e a casa logo ganhou paredes e telhado. Os causos, na verdade, começaram quando partimos para o acabamento, que foi feito praticamente todo por nós: papai e mamãe e eu. Claro, nós três éramos amadores. E amador passa por cada uma...

Tivemos a ideia de colocar, em todos os cômodos da casa, forro de madeira no teto. Ipê, para ser mais exata. E para quem já teve o (des)prazer de martelar algum prego nessa madeira, sabe muito bem que é bem difícil: o ipê é muito duro. Acertar na primeira martelada, quase impossível. Pregar o ipê num caibro, uma missão hercúlea. Mas éramos esforçados, queríamos a chácara no capricho e nos pusemos a trabalhar.

Agora realizem a cena. A minha casa tinha um pé direito enorme. A sala dava para o segundo nível da casa, e o teto, em “água”, era alto e bem inclinado. Como todo serviço de amador que se preze, não havia andaime para a montagem do forro. Muito menos uma furadeira, o que tornaria o trabalho “mamão com açúcar”. Só tínhamos uma escada, que não tinha onde ser apoiada quanto precisávamos martelar a o forro bem no meio do cômodo. A solução: eu e minha mãe segurávamos a escada, no melhor estilo “balança, mas não cai”, e o meu pai ia martelando os pregos!

Imaginem: a escada balançava e, nesse apoio completamente instável, meu pai tentava martelar o ipê. E ainda manter o alinhamento dos pregos. Não só para ficar “bonitinho”, mas para grudar a madeira no caibro. Ninguém queria pedaços de madeira caindo sob as nossas cabeças depois!

 Meu pai falava:

- Segura a escada reta, tô balançando aqui em cima!

Mamãe respondia:

- Estamos segurando, martela aí!

Meu pai martelava:

- PQP, acertei meu dedo!

E jogava o martelo longe!

Pausa para o grito de dor. Minha mãe segurava a escada enquanto eu ia atrás do martelo. Meu pai, babando de raiva lá em cima. Trazia o martelo, dava a ele, que recomeçava.

Após algumas marteladas corretas, começava tudo outra vez:

- PQP, meu dedo! De novo!

A escada oscilava feito pêndulo a cada nova interjeição. E o martelo voava mais uma vez...

Só o forro da sala deveria ter uns trinta metros quadrados. Foram muitas marteladas e muitos dedos ensangüentados. E ainda tínhamos que colocar o forro  nos quartos, no sótão, na sala de jantar, na cozinha... Nem sei como meu pai ainda tem todos os dedos!

Mas não foi só colocando o forro que meu pai ficou em apuros. Para terminar o serviço e colocar as bordas no forro, ele apoiava a escada na parede, e seguia martelando. O problema foi quando ele resolveu fazer isso sozinho, sem ter alguém que segurasse a escada. O piso liso não ofereceu qualquer atrito. Já adivinharam o desfecho, certo?

Eu estava no andar de cima da casa, e tudo o que vi foi meu pai, em câmera lenta, escorregar chão abaixo com a escada! Ele tinha aquela cara das “vítimas do Pica-pau” quando caem em alguma pegadinha. E se estatelou grandiosamente no chão!

Meu pai sempre andava de botas, para proteger os pés da fauna local. Tinha muito mato fechado ao redor, vai saber o que poderia estar rastejando por lá? Mas um dia, as botas, ao invés de ajudarem, colocaram meu pai em uma situação de risco.

No começo da construção, ainda não havíamos perfurado o poço. Então, a casa não tinha água. Para misturar o cimento, meu pai tinha que buscar água no lago em frente à nossa casa, com um balde. Ele fazia várias viagens em busca da água, e tinha todo o trabalho pesado para si. Minha mãe, com a saúde frágil, não ajudava. Eu, com a minha coluna podre desde a tenra idade, era um zero à esquerda.

Ele estava sozinho na chácara, e precisava de água. Então ele descia da casa, que estava sendo construído em cima de um morro, até o lago. Enchia o balde, voltava com a água e fazia o que precisava. Fazia várias viagens. Mas em uma, ao descer do barranco, corria tanto que não conseguiu parar: caiu com tudo na água!

Até aí nada de mais certo? O problema é que as botas se encheram de água, e meu pai começou a afundar! Estava sozinho e, por pouco, não se afoga. Nunca mais quis usar a bota, e nós estranhamos isso. Minha mãe perguntou:

- Por que não usa mais a bota? Esse par de chinelos não vai te proteger!

Ao que meu pai respondeu:

- É que usar botas pode ser muito perigoso...

Mas a situação não melhorou muito com a construção do poço. Mais uma vez, meu pai estava sozinho. E, por causa de um problema na bomba, precisou entrar no poço.

Já imaginaram o desfecho, certo? Pois é... ele foi descendo pelas anilhas, fixas nas laterais do poço, que estavam escorregadias de limo.

Não deu outra: tchibum na água!

Felizmente, após recuperar o fôlego, conseguiu se agarrar novamente às anilhas e sair do sufoco, encharcado até os dentes.

Noutro dia, meu pai acabou mexendo com a parte elétrica. De forma completamente involuntária, por sinal.

Em mais uma das suas “aventuras reformísticas solo”, meu pai resolveu cortar uma árvore que estava atrapalhando a nossa construção. O problema é que não conseguiu guiar a queda da árvore para onde deveria. E o tronco acertou em cheio a caixa do transformador da rua!

Faíscas se soltaram para todos os lados, um pequeno incêndio teve início e todo o condomínio ficou sem energia!

Aposto que isso aconteceu porque ele não gritou “madeira!” ao cortar a árvore...

Para finalizar, vou contar como uma pedra no meio do caminho pode salvar o dia de alguém. Em especial, o da minha família.

Nas margens do lago que ficava em frente à nossa casa, tínhamos um enorme pinheiro e uma pedra, de tamanho considerável. Era refugo da nossa terraplanagem. No melhor estilo “burro falante “ do Shrek, minha mãe falou:

- Gostei da pedra... pedra muito bonita!

E pintou a pedra de branco, criando um detalhe na frente da nossa casa. Ficou charmoso!

Em mais um fim de semana de obras, estávamos na chácara. Na época, nosso carro era uma perua branca, estilo ambulância, com um enorme porta-malas. Usávamos muito o bagageiro para o transporte de materiais de construção.

Tínhamos uma garagem coberta na chácara, que era acessível mediante uma pequena rampa. Do outro lado da rua, o lago.

Minha mãe não tinha muita força no braço, por causa de uma cirurgia. E dirigir aquela banheira era um esforço físico enorme. Às vezes, minha mãe não conseguia puxar o freio de mão do carro. Na nossa casa de SP, não haveria problema, já que a garagem é plana. Mas a da chácara estava numa rampa...

Eis o que aconteceu: mamãe não puxou o freio de mão e, minutos depois, o carro começou a descer a ladeira, de ré. Começou devagarinho e foi ganhando velocidade. Minha mãe, perto do carro, não conseguiu alcançá-lo. Meu pai, em cima do telhado, olhava seu possante indo em direção ao lago, perplexo. Eu, com o meu cachorro à época, o Tobi, olhava como se estivesse presenciando um show de horrores. O carro ia cair no lago!

Eis quem salva o dia?

A pedra!! O carro acertou a pedra, e com uma sonora batida, foi impedido de continuar a descida até o lago e submergir.

Não obstante o prejuízo da batida, pelo menos não ficamos a pé, e a pedra virou uma espécie de “xodó” da família. Afinal, o único carro que vi funcionar normalmente depois de ter afundado na água foi o do Jason Statham em “Carga Explosiva 3”. E a nossa perua estava muito longe de ser um Audi!

Ah, e para arrematar o causo, meu pai consertou a cuba da pia com durepox mesmo. Vazamento completamente vedado!

Bom dia, pessoal!

quarta-feira, 13 de março de 2013

Até o Papa rende causo!


Pois é, o blog tem causos para todas as ocasiões!

E eu me lembrei dessa história, particularmente, porque o novo pontífice escolheu o nome de Francisco.

Confesso que, só hoje, percebi que nenhum outro papa havia escolhido esse nome. Justamente um dos santos mais incríveis que existem. E meu santinho de devoção também, por ser protetor dos animais.

O causo que vou narrar aqui se passou em Portugal, no longínquo ano de 1999. Naquela época, a moeda local era o escudo. Circulavam inúmeros panfletos pelas ruas com o seguinte título: "Euro. Uma moeda para Portugal", que estaria valendo a partir de 2000. Conheci dúzias de parentes (meu pai é português), rodei pelo país de carro, foi uma viagem maravilhosa. Aliás, estarei em Portugal novamente em junho para mais uma série de causos de viagem, aguardem!

Voltando a 1999...

Uma dos lugares que visitamos foi Fátima. O maior santuário de Portugal, onde Nossa Senhora fez as aparições para as crianças pastorinhas.

Como em Aparecida, existem muitas lojas ao redor do santuário. Vendem qualquer artigo religioso que se possa imaginar. Realmente, um shopping católico a céu aberto.

Foi aí que tive uma ideia que me pareceu, na hora, genial: comprar uma imagem de São Francisco de Assis. Pensei que seria uma oportunidade de ter uma imagem com aparência diferente das que existem no Brasil. E fui à procura!

Depois de uma escolha meticulosa, comprei uma estátua de aproximadamente 15 cm de altura. Tinha tudo: auréola, cabritinho, passarinhos, o nome do santo gravado no rodapé. Pedi à atendente que embrulhasse bem, pois levaria a imagem para o Brasil, o que é uma verdadeira prova de fogo para qualquer artigo frágil. A mulher colocou várias camadas de plástico bolha, papelão e fita adesiva no embrulho. Acho que poderia deixar o pacote cair sem problemas no chão, provavelmente iria quicar!

Passei pelo perrengue de praxe na volta ao Brasil. Carreguei a imagem no colo o tempo todo. Estava felicíssima por ter uma imagem do meu santinho comprada em Fátima!

Quando cheguei em casa, coloquei a imagem no seu lugar apropriado, um pequeno oratório no meu quarto, e fui atrás de um padre para benzê-la.
E o que tornou a imagem ainda mais especial foi o seguinte: o padre que deu a benção foi meu antigo professor particular de física: Pe. Mauricio Martins Netto. Ele deixou o curso de física na USP e seguiu a vocação religiosa. Estudou na Gregoriana, em Roma, e já exerceu o sacerdócio no nordeste e até no Canadá. Um sacerdote cuja vocação está a olhos vistos, realmente impressionante.

Bom, ele foi em casa benzer a imagem acompanhado da mãe, minha madrinha de crisma Marlene.

Quando eu o levei ao meu oratório, a primeira coisa que o Pe. Mauricio fez foi olhar para o chão. Ele me deu uma olhadela e não me disse nada, mas decifrei a pergunta implícita no ato: cadê o genuflexório?

Ele nada disse, muito menos eu. Fiquei vermelha como pimentão, mas não iria coloca um desses no meu quarto. É, sem chance.

Imagem benzida, voltei à dura realidade pós viagem. Trabalho, estudo, lazer. E foi num dia de lazer que eu tive uma "surpresa inesperada", como diria Bilbo Bolseiro. Com pleonasmo mesmo.

Estava passeando, bela e faceira, no shopping Tatuapé. Fui ao cinema com amigos e, depois, perambulei pelo shopping, olhando vitrines.

Eis que, numa loja no melhor estilo "25 de março", me deparo com uma prateleira cheia de imagens de santos. Comecei a olhar.

Meu queixo caiu.

Lá estava, bem na minha frente, uma imagem de São Francisco de Assis.
Igualzinha à minha!

Não tinha o que tirar, nem por. Exatamente a mesma. Altura idêntica, mesmo acabamento, mesmos detalhes.

E o pior: bem mais barata!

Aí parei para pensar, mas que diabos, como é possível? Todo aquele perrengue para trazer algo diferente... E comprei um santo "made in China"!

Foi naquele momento que eu percebi o real significado da palavra "globalização". E querem saber? O meu santinho continua no oratório. Não importa se a imagem veio da China ou de qualquer outro lugar. É o que ela inspira em mim que conta. Mas da próxima vez, vou procurar a inscrição "made in China" antes de comprar algo!

Boa noite a todos!