segunda-feira, 25 de março de 2013

Pedalando em Nova York

Ponte de Washington
Hoje o causo da semana é sobre uma das minhas maiores paixões: pedalar! E pedalar enquanto se está viajando, é melhor ainda!

A ideia para o causo semanal veio da minha madrinha de pedal, a Juliana Carmesim. Foi ela quem me (re)apresentou à bicicleta, há cerca de um ano e meio. Comecei nos pedais urbanos, fiz muitas trilhas, até já participei de uma competição, o Endurance (só esse evento é um causo à parte). Fiz amigos para a vida toda nesses pedais. Ganhei resistência física e uma perspectiva de SP completamente diferente. E olha que eu nasci e cresci nessa selva de pedra!

Ontem a Ju publicou seu primeiro causo no Facebook, contando a experiência de se pedalar em Angkor, no Camboja! Uau! Digo a vocês, a Ju tem razão: quem pedala faz um turismo completamente diferente. Vê as atrações turísticas por outro ângulo. E não importa o destino, a experiência é sempre única! E eu, graças a ela, comecei a experimentar essa nova alternativa de passeio nas minhas viagens. Resultado: muita diversão e causos pra contar!

O causo de hoje é sobre a minha experiência de pedalar fora do país. E a primeira aventura no exterior sobre duas rodas foi em Nova York, o pedal coxinha mais glamuroso do planeta! O glamour dispensa maiores comentários, mas explico o porquê do “coxinha”: Manhattan é, em sua maior parte, plana. Nada de ladeiras. Então, mesmo para um iniciante dos pedais, é um passeio bem acessível, em termos físicos. Financeiros, também; gasta-se de 30 a 50 dólares por dia numa bike alugada. Você vai para onde quiser, no seu tempo, parando para tirar fotos e apreciar a paisagem. Liberdade total!

Ciclovia às margens do Rio Hudson
Confesso que, para mim, Nova York é um destino muito familiar. Tenho parentes lá, que sempre me recebem muitíssimo bem, e moram pertinho do metrô. Então, no meu caso, é mais fácil (e barato, diga-se) ir para lá do que ir para o nordeste. E por mais que as praias do nordeste sejam espetaculares (eu sei, já fui a várias), a Big Apple é sempre... a Big Apple!

Já perdi as contas das vezes que fui lá, e já fiz passeios que estão fora de qualquer circuito turístico tradicional. Mas devo confessar, nunca fiquei tão íntima da cidade como na última vez, em 2011, quando decidi alugar uma bike em Manhattan e conhecer a ilha pedalando. Influência da Ju!

Por dois dias, aluguei uma bike na empresa Bike and Roll, uma das muitas que oferecem o serviço em NY. Eles têm, inclusive, tours guiados, com várias opções de roteiros. Para quem é novo na cidade, é uma ótima pedida. Eu, “macaca velha”, preferi alugar a bike e passear por conta. Fui sozinha, pois na época, ninguém da família me acompanhava nos pedais. Hoje, felizmente, a situação é outra. Meu pai já tem a própria bike, e não faz feio, mesmo com quase 69 aninhos!

Como já saí do Brasil com a ideia de pedalar, levei meu par de luvas e minha bandana. Felizmente, pois os capacetes disponíveis para locação são meio... hum... fedidinhos mesmo. As luvas não deixam suas mãos escorregarem no guidão, item de segurança importantíssimo, além de darem uma amenizada no frio.

No primeiro dia de aluguel, decidi contornar toda Manhattan de bike, e aproveitar para fazer algumas compras. Saí do Píer 84, na a ciclovia que margeia o rio Hudson e fui para a parte baixa da cidade, em direção a Wall Street. Claro, tudo de caso pensado, pois fui atrás de uma encomenda, cuja loja ficava nessa parte da cidade.

Devo confessar: não sou de trazer encomendas pra ninguém. Meu lema é “perco o amigo, mas não trago a encomenda”. Acho complicado comprometer uma viagem atrás de algo para outra pessoa, já que, muitas vezes, isso implica em alteração de cronograma e perda de tempo. Mas como conheço bem NY, atendo a alguns pedidos, mas só de pessoas muito, muito especiais mesmo. E uma dessas pessoas é a minha “aprendiz de peruagem”,  Beatriz Jarnyk!

Conheci a Bia porque cantava com o pai dela, o Ronaldo, que também toca piano. A mãe, Patrícia, também participava. E a Bia, como eu, é louca por sapatos e bailarina (calma, isso é outro causo). Assim, fiquei amiga da família toda.

NY é, provavelmente, o único lugar em que se pode comprar as famosas sapatilhas de ponta Gaynor. Sob medida, com inúmeras variações, são utilizadas pelas melhores bailarinas do planeta. E a Bia queria uma dessas, claro. Até eu, se ainda dançasse, iria querer! A Patrícia me perguntou se eu poderia trazer as sapatilhas para a Bia e concordei de imediato. Mamão com açúcar!

Com o endereço na mão e, de bike, fui atrás das sapatilhas. Cheguei ao número indicado e estranhei: não vi qualquer letreiro, era uma rua estritamente residencial. Mas estava com o endereço correto, imprimi a página do site, pelamordedeus! Desci da bike, coloquei a trava de segurança no lugar (já inclusa no aluguel) e me pus a procurar.

Achei a “loja”. Sabem qual era a indicação? Um pequeno cartão de visitas, colocada na porta. Discretíssimo. Se não tivesse descido da bike, sequer teria visto!

Toquei a campainha. Minutos depois, fui atendida por uma sílfide, obviamente uma bailarina daquelas que, se estão de frente, parece que estão de lado e, se estão de lado, parece que foram embora. Coque na cabeça, roupa de ballet e tênis. Parecia que poderia entrar no palco a qualquer momento. E, quando ela abriu a porta, deu de cara comigo: uma mulher de curvas generosas (ah, um bom eufemismo...), capacete, óculos de sol e luvas de ciclismo. Eu carregava uma pequena bolsa atravessada, estilo Indiana Jones. Ou seja, destoava por completo das freqüentadoras da loja.

A mulher me olhou, assustadíssima. É como se alguém contemplasse o “Exterminador do Futuro” ao lado da sua preciosa cristaleira. Ela se recuperou, assumiu um ar levemente polido, totalmente perplexo, e me perguntou:

- Posso ajudar?

Eu disse:

- Bom dia, gostaria de comprar sapatilhas de ponta.

O queixo da mulher caiu. O que uma brucutu iria querer com sapatilhas de ponta? Ao ver a cara dela, logo acrescentei:

- Não são pra mim, são para uma amiga!

A sílfide respirou aliviada, como se o mundo fizesse sentido!

Comprei os dois pares de sapatilha nas especificações passadas pela Bia. Foi sorte, nem sempre eles mantêm um estoque que permita comprar mais de um exemplar. Enquanto esperava a entrega, bailarinas iam de um lado para outro da loja, que atende por hora marcada para aquelas que desejam fazer o “fit”. A bailarina é atendida por alguém que, analisando pisada, corpo, estilo e tamanho do pé, indica o melhor modelo para ser utilizado. E eu, que sequer me dei ao trabalho de tirar o capacete, atraía olhares curiosos das freqüentadoras. Fiz a minha cara patenteada de “e o quico?”, peguei as sapatilhas e fui embora.


Ponte do Brooklyn

Sacolinha cor de rosa no guidão, continuei meu tour. Fui até Wall Street e pedalei em direção a ponte do Brooklyn. Tem ciclovia na ponte! Aliás, NY está cheia de ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas. A empresa de aluguel de bike dá aos clientes um mapa com as vias mais seguras para se pedalar. Atravessei a ponte, pedalei pelo Brooklyn e voltei pela ponte de Washington. Fui em direção ao Harlen, pedalando pela 2ª Avenida, cheguei ao extremo de Manhattan e voltei novamente para o Píer 84. Pedalei por 8 horas, nem tenho ideia da quilometragem. Devolvi a bike já à tardinha, feliz da vida por ter pedalado, sem o menor problema, em plena 5ª Avenida! Entenderam agora o porquê do glamour?

O dia seguinte seria o meu último em NY. Estava com passagem de trem comprada para a Filadélfia, então aproveitei para trazer as encomendas finais e fazer as últimas compras. E como já sabia que voltaria carregada de coisas, levei para o pedal a minha “discreta” mochila de 45 litros às costas. Se antes eu era o “Exterminador do Futuro”, agora eu era o Hulk!


Aluguei a bike no Central Park, desta vez. Pedalei por todo o parque, tirei muitas fotos, curti a natureza cuidadosamente planejada do lugar. Depois, saí do parque e pedalei, livremente, pela cidade. Sempre respeitando, obviamente, a sinalização. Fazendo isso, não se tem problemas para pedalar, os motoristas respeitam muito o ciclista. Afinal, um processo por atropelamento pode ser a ruína do motorista imprudente, então todo cuidado é pouco, certo? Eu fazia a minha parte: ia pela direita, sinalizando com antecedência minhas mudanças de rota. Foi realmente um passeio muito tranqüilo.

Fiz uma última parada na Macy’s. Como sempre tem uma fachada por perto em obras, cheia de andaimes, é fácil parar a bike em NY. Entrei na loja toda equipada e de mochila enorme. O Hulk na Macy’s, não tinha quem deixasse de olhar. Desta vez, nem tirei os óculos de sol, só a mochila, para guardar as compras.


Com o mesmo figurino, o Hulk que vos fala foi fazer compras na Sephora. Consegui um estojo de maquiagens para a Bia que, pelo que soube, fez o maior sucesso entre as bailarinas de SP. Mas tinha que me mover na loja com cuidado, pois uma esbarrada da mochila poderia levar ao chão dezenas de frascos de perfume!


E foi nessa loja da Sephora que vi algo que me fez repensar meus conceitos sobre a famigerada “cara de pau”. Lá eles mantêm um display com todas as cores de esmalte possíveis e imagináveis. Também tem, à disposição das clientes, removedor de esmalte, algodão e cotonete. E sabem o que algumas mulheres por lá fazem? Vão até o mostruário, escolhem o esmalte mais tranchã disponível, pintam todas as unhas das mãos, fazem o acabamento com o removedor... e vão embora! Não compram uma agulha sequer!

Já pensou se fazem um mostruário desses no Brasil? É capaz da mulherada pintar até as unhas dos pés...


Fiz o pinga-pinga de lojas o dia todo. Teve gente, por exemplo, que me pediu lápis especial para desenho. Precisei passar por 3 lojas diferentes até conseguir comprar a quantidade pedida. Na última, já com a coluna reclamando, não resisti: como as caixas de lápis estavam dispostas nas prateleiras de baixo, eu simplesmente sentei no chão, pernas cruzadas, e procurei as cores que precisava. O atendente veio falar comigo:


- Você está bem? Precisa de algo?

E eu :


- Está tudo bem, é que a idade está começando a pesar, sabe como é...

O sujeito sorriu e me deixou sentada no chão mesmo.

Outro amigo havia pedido um cd de uma banda não muito conhecida, mas de qualidade. Rodei várias lojas de cd, sebos, antiguidades... e nada! Essa encomenda eu fiquei devendo, mas conheci partes da cidade que nunca havia visto antes. Valeu à pena!


Mas tive um probleminha. Nessa busca, eu acabei perdendo a noção do tempo e, quando dei por mim, tinha menos de uma hora para devolver a bike. Eu estava, novamente, pra lá de Wall Street, e a bike havia sido alugada no Central Park. Putz! Tinha que devolver naquele dia, pois viajaria bem cedinho para a Filadélfia no dia seguinte, não dava pra devolver depois!


Nesse dia, fiz a coisa mais insana da minha vida em termos de pedalada. Cruzei boa parte de Manhattan a toda velocidade, na hora do rush! Era o meu contrarrelógio particular, eu tinha que chegar a tempo! Eram 17:20 e estava em Wall Street. Tinha que chegar ao Central Park às 18 horas, no máximo, ou teria que pedir ao meu saudoso tio para devolver a bike por mim. Mico em proporções King Kong!



Occupy Wall Street

Tracei uma rota na cabeça e me pus a pedalar. Mas, logo de início, peguei uma manifestação pelo caminho: era a “Occupy Wall Street”! Mesmo com pressa, parei e tirei fotos, não tinha como deixar passar isso, eu numa manifestação e de bike!



Pedalei até por ruas de paralelepídedo. É, tem dessas em NY, sabiam? Só me dei conta porque a minha bike não tinha amortecedor e a minha coluna reclamou um bocado. Costurei no meio do trânsito e admito, para minha própria vergonha, que furei alguns sinais vermelhos. Só pensava: tenho que chegar a tempo, tenho que chegar a tempo! Voei pelas ruas da cidade, mais rápido do que qualquer carro ou ônibus. Dava uma sensação boa passar voando na frente daqueles carros chiquérrimos, caríssimos... e parados no trânsito.


Com o coração na mão, cheguei ao ponto de aluguel às 18:07h. Putz, e agora, consigo devolver? O caixa já estava fechado, o sujeito se preparando para ir embora. É, vou ter que ajoelhar no milho:

- Moço, por favor, eu preciso devolver essa bike, vou embora da cidade amanhã!

O sujeito:

- Hum...


Eu só pensava no meu cartão de crédito registrado naquele caixa. Vão acabar debitando o valor da bike nele! Até que ouvi o seguinte:

- Ah, tá bom, vai...

Consegui devolver a bike!

Desmontei e desequipei. Saí com o meu recibo das horas pedaladas e, cambaleante, fui em direção à Apple Store, que fica pertinho, em frente ao Central Park. Eu tremia. Era adrenalina combinada ao esforço físico intenso e à tensão que, aos poucos, ia me deixando. Até as minhas pernas pararem de tremer, fiquei em um computador Apple de última geração, navegando na internet e pensando como eu era incrivelmente bocó. Por que tal pensamento? Oras, tinha um ponto de devolução de bike pertinho de Wall Street...

Isso é o que dá não olhar no mapa!

Bom dia, pessoal!

Central Park

2 comentários:

  1. Tive sua experiência de bike na big apple, porem por 40 dias !!! Só tenho uma palavra para dizer. ANIMAL! Quase não peguei metro... saia de manhã e só voltava de madrugada... Parabéns!

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    1. Obrigada! Realmente, para quem pedala, só é preciso usar o metrô quando a chuva é torrencial, ou neva!

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