sexta-feira, 29 de março de 2013

Causos portugueses "made in Brazil"


Caro leitor, se espera ver aqui uma coletânea de piadas de português por causa do título, ficará desapontado. Como meus leitores fieis já sabem, os causos só trazem material inédito. E verídico!

Desta vez eu optei por dividir o causo em duas partes. A primeira, postada agora, fala de causos de portugueses que ocorreram no Brasil. A continuação trará relatos dos causos brasileiros ocorridos em Portugal, aguardem!
Vamos rir um bocadinho...
Os portugueses sempre estiveram presentes na minha vida. A começar pelo meu pai, nascido e criado em Rio Tinto – Esposende. Ele veio para o Brasil com 18 anos, viajou boa parte do mundo, conheceu mamãe... e ficou por aqui mesmo. Mas tenho contato com parentes e amigos da terrinha. Já visitei Portugal uma vez e, este ano, vou lá novamente para um casamento que promete ser espetacular. Que vai, certamente, render outro causo!

Tenho tios e primos portugueses que moram aqui no Brasil há muitos anos, então já estão “aclimatados” à nossa cultura e ao nosso sotaque. Eu mesma mal percebo o sotaque do meu pai. Já meus amigos, quando se referem a ele, me perguntam: “E o seu pai, Prrrrrnanda”?

Mesmo aclimatados, os portugueses não esquecem, por óbvio, seus costumes. Um deles é o de que as mulheres devem usar ouro. Podem reparar, os trajes típicos portugueses estão sempre carregados de ouro, principalmente em forma de correntes sobrepostas no pescoço. É nada mais, nada menos do que o famoso dote.


Meus pais me contaram que, quando eu era um bebê, um primo português que morava aqui no Brasil foi me visitar. Olhou pra mim, no berço, e fez o seguinte comentário, indignado:

- Essa menina tá sem ouro! Não vão colocar ouro nessa menina? Nem um colarzinho?

É, as miúdas portuguesas já ganham ouro assim que nascem. E naquela época de vacas magras, meus pais não estavam podendo me cobrir de ouro, se é que me entendem!

A primeira vez que tive contato com parentes portugueses que nunca moraram no Brasil foi há muito tempo. Eu deveria ter uns seis ou sete anos, então não me lembro sequer da  fisionomia da pessoa. Sei que era uma tia, daquelas tradicionais, vestida de preto e um tanto quanto retrógrada, para dizer o mínimo.

Explico. Minha mãe me contou a história.

Naquela época, mamãe dava aulas de dança (jazz) à noite e, quando voltava para casa, vinha com a roupa do trabalho: uma calça de lycra preta, justa, polaina, regata e por aí vai. Como ela chegava mais tarde, meu pai tomava conta de mim. E essa tia chegou justo na hora em que meu pai me dava o jantar. Logo depois, chega a minha mãe, vestida com a tal calça de lycra. Os cumprimentos foram polidos e o jantar transcorreu normalmente.

O problema é que, ao voltar a Portugal, a tal tia não foi nada... hã... gentil ao descrever a minha mãe para os outros parentes! Ao falar da esposa do Joaquim (vulgo papai), ela foi concisa:

- A mulher do Joaquim chegou tarde da noite, a miúda era cuidada pelo pai...

Um pouquinho mais de veneno:

- Trajava uma roupa justa...

E arrematou:

- “Diz” que “trabalha”...

Já imaginaram o que ela quis dizer com isso, não?

Outra parente digna de causo veio ao Brasil em 1998. Era a minha prima Natália. Ela tem a minha idade, é enfermeira e divertidíssima. Conheceu SP comigo de cabo a rabo, e eu a apresentei à minha delícia culinária favorita: coxinha de galinha. Ela também conheceu o pão de queijo, o pastel de feira com caldo de cana e a famosa feijoada do papai.
A comunicação entre nós era tranquila, mas os ruídos existiam. Com ou sem reforma ortográfica, algumas palavras têm significado diferente. E pude testemunhar isso de uma maneira totalmente inusitada durante um passeio pelas ruas de SP com a minha prima. Em uma parede, lia-se a seguinte pichação: ABAIXO O PACOTE!
Natália só faltou rolar no chão de tanto rir!
Eu fiquei perplexa. Afinal, temos pacote turístico, pacote econômico e por aí vai. Qual o problema?
A resposta: pacote, em Portugal, quer dizer traseiro! Quem em sã consciência ia pedir para a mulherada ficar de bunda caída? Ainda mais no país do carnaval? Foi a minha vez de gargalhar!

Certa vez a Natália machucou o dedo, e precisava fazer um curativo. Então ela se virou para mim e perguntou:

- Prima, por acaso tens um “penso-rápido”?
Heim? Fiz cada de paisagem, nem imaginava o que poderia ser isso! Sei que sou meio devagar para pensar, mas não precisava jogar na cara, poxa! Ela viu a minha expressão e adotou o famoso método inglês: falou alto e devagar, imaginando que eu poderia entender o que ela dizia:

- Peeennnnsso rrrrrápiiiidoooo...

Minha cara de paisagem persistia. Até que ela me explicou que desejava proteger o ferimento. Fiz cara de eureca!

- Ah, Band-Aid!

O penso-rápido, em Portugal, nada mais é do que o nosso Band-Aid, ou seja: um curativo que se faz rapidamente. Mais literal, impossível!

Naquela época, em Portugal, a televisão passava a novela brasileira “Rainha da Sucata”, e ela me pediu para conhecer a Av. Paulista e o prédio da Dona Armênia que, volta e meia, quase ia “na chon”. E eu a levei para ver o prédio que, hoje, é do TRF da 3ª Região. Também quis
perambular pela avenida, e foi o que fizemos.

Chegando ao parque Trianon, ela ficou encantada com a exuberância da vegetação dizendo que, em Portugal, plantas assim só cresciam em estufa. Então eu a levei para passear além da fachada.

Como todo paulistano sabe, o Trianon não é lá muito bem frequentado, dependendo do horário. E naquele dia, garotos de programa estavam “fazendo ponto” no local. Alguns até levaram lanche num saquinho, que ficava acomodado ao lado. Vai que o dia de trabalho se estende muito, né? Eu olhei pra ela, ela olhou pra mim... e nada precisou ser dito, ela “pescou” a profissão dos sujeitos na hora.

Quando voltamos para casa, minha mãe perguntou:

- O que achou do parque Trianon, Natália?

E ela respondeu, no seu sotaque carregadíssimo:

- Muito giro (bonito)! O parque estava repleto de bichinhas! Todas bonitinhas, todas sentadinhas, lanchinho ao lado... tão femininas!


Chorei de rir!

Em outro dia, Natália fez um comentário sobre um logradouro em Portugal, cujo nome não me lembro. Porém, segundo ela, não havia no mundo uma rua tão cheia de gente quanto aquela.

Da minha parte, só pensava nos cento e tanto milhões de brasileiros contra alguns milhões de portugueses. Claro, ficava difícil de imaginar a cena que ela descrevia com riqueza de detalhes. Foi então que o “espírito de porco” baixou em mim. Estampando o meu melhor sorriso “Gato de Cheshire”, eu a desafiei:

- Vou te levar a um lugar que vai colocar essa rua portuguesa no chinelo!

A pobre coitada aceitou o desafio. Ah, se ela soubesse...

Realiza a cena: Rua Vinte e Cinco de Março. Época do ano: VÉSPERA DE NATAL. Dia da semana: SÁBADO. E, para fazer daquela uma experiência bem traumática, eu a levei até lá DE CARRO!

OK, posso ser má quando eu quero. Muahahaha!!!

Peguei meu carro da vez, um Peugeot 106 que era menos confortável de dirigir do que a biga do Judá Ben-Hur, mas era o que tínhamos para o dia. A Natália foi toda na estica: sapatos sociais, saia, bolsa, brincos, relógio, corrente no pescoço e seu inseparável anel de curso. Sabem aqueles anéis de formatura, cuja cor da pedra depende do seu curso? O dela não era bijou, era joia da melhor qualidade. Inseparável, quase nunca saía das mãos dela.

Olhei para o sapatinho, para os balangandãs, para o anel...  e fiquei quieta. Tudo ao seu tempo.


A título de comparação, minha vestimenta para a ocasião: camisa velha, bermuda velha, tênis velho, bolsa velha e pequena atravessada no tronco. Sem balangandãs, sem celular. Pronta para invadir a Normandia.

Lá fomos nós para o nosso Dia “D”. Peguei a Rua da Boa Vista, em direção ao Mosteiro de São Bento. Minha intenção era descer à direita na Ladeira Porto Geral e entrar à esquerda na Rua Vamhagem, onde sabia que tinha um estacionamento.

Se alguém quer conhecer o inferno na Terra, e não quer se aventurar no fórum da Justiça Estadual (explico o porquê no causo http://causosdafefa.blogspot.com.br/2013/02/ficha-limpa-eu.html), a Vinte e Cinco de Março é o “point”. Não se vê o chão de tanta gente, ambulantes disputam espaço com os pedestres e dirigir no local é prova de insanidade mental. Eu sabia disso. E fui preparada para enfrentar um perrengue de proporções hecatombásticas. Tudo em nome do “tour educacional”.
Peraí, vou limpar o veneno que está escorrendo aqui...

Continuando!
Já na rua Boa Vista, o trânsito estava completamente parado. A velocidade máxima do caro era de 3 km/h, e precisei tomar o máximo de cuidado para não fazer dos pedestres pinos de boliche. Eles batiam na lataria do carro, tentando atravessar a rua. O barulho era infernal, gritaria para todo lado. Natália me olhava com seus olhinhos de jabuticaba arregalados de pavor quando o carro, devido o mar de gente, começou a sacudir! Era tanta gente indo e vindo que ficamos chacoalhando lá dentro, feito recheio de maracas! Eu, já sabendo que isso poderia acontecer, não me fiz de rogada: mantinha um sorriso complacente no rosto (escondendo meu pavor crescente) e falava com o maior ar blasé:
- Ah, isso é normal, nem tem tanta gente assim hoje...
E acenava para os pedestres no melhor estilo Rainha Elisabeth!
Foi quase uma hora para chegarmos ao estacionamento. Natália, cada vez mais em pânico. Estávamos prontas para enfrentar a multidão quando meu “espírito de porco” deu uma arrefecida. Disse à Natália:
- Prima, é melhor você guardar todas as suas joias. Isso pode te trazer problemas por aqui...
Foi a deixa: ela tirou o anel de curso, a correntinha, o relógio e os brincos. Guardou tudo na bolsa, uma enorme e nada discreta sacola de couro. Não pude fazer nada em relação aos sapatos dela, teria que descer a ladeira de salto mesmo!

Devidamente despidas de quaisquer ornamentos, nos misturamos à horda ensandecida que buscava presentes de Natal a preço de banana. Ficamos cerca de duas horas sendo levadas pela massa de gente de um lado para outro, visitando algumas lojas e curtindo o delicioso “calor humano” de um lugar digno da alcunha “inferno na Terra”.
Levei a Natália a lojas de fantasias e dei a ela um boá de pluma lilás, absolutamente glamuroso. Disse a ela:

- Não pode deixar o Brasil sem levar plumas e paetês daqui!
Quando conseguimos voltar ao estacionamento, o boá que estava devidamente acondicionado numa sacola já estava murcho de tanto empurra-empurra. Nós duas, esbaforidas. Pedi pelo carro, guardamos as compras e Natália, imediatamente, colocou os balangandãs no lugar: anel, brinco, colar e relógio. Deu um jeito na cabeleira e respirou aliviada. Os sapatos voaram longe, os pés dela latejavam de tanto andar.

Virei para ela e disse, fingindo desinteresse:
- Tem bastante gente aqui, não?

Ela respondeu, puxando bem os “esses” e os “erres”:
- Ai, Jesus! Que horror!! Que horror!!

E fitava a janela com um ar chocado, balbuciando “Ai, Jesus”, até conseguirmos sair no meio do caos.
Eu nada disse, o recado estava mais do que dado! E ponham isso na cabeça, forasteiros: se um paulistano te disser que um determinado lugar é cheio de gente, ACREDITE! Somos cerca de vinte milhões por aqui, de “calor humano” nós entendemos, certo?

No fim das contas, tudo acabou bem. Creio que a Natália tenha gostado de SP. Pena que não saí tanto com ela quanto gostaria, pois estava estudando para a primeira fase do exame da OAB naquela época. Não deu para irmos ao Rio de Janeiro, sonho de dez entre dez turistas que vêm ao Brasil. Vai ficar para a próxima.
Ah, e no ano seguinte, retribuí a visita. Passei quase três semanas em Portugal, passeando com a Natália e conhecendo uma infinidade de parentes. O que redeu uma infinidade de causos também. No próximo post eu conto, são de chorar de rir!

Ah, e só por curiosidade, passei na OAB, e na primeira tentativa!
Boa sexta-feira Santa, pessoal!

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