domingo, 28 de abril de 2013

Caiu de novo?


A inspiração do causo de hoje partiu de uma constatação incomum: há muito tempo não sofro uma queda.

Para mim, isso é completamente fora do normal. Sou uma pessoa desastrada por nascença. Já caí no chão, correndo atrás de ônibus, em buraco, da bike, de tudo quanto é jeito. Milagrosamente, só quebrei o cóccix até agora, no aerobunda de Natal (descrevi o mico no causo http://causosdafefa.blogspot.com.br/2013/02/ai-meu-fiofo.html). Mas tenho umas cicatrizes com histórias interessantes para contar.

Quando eu era criança, eu me machucava bastante. Na minha época, os pais não embalavam os filhos no plástico-bolha, como fazem hoje. A gente brincava na rua, ralava a pele no asfalto, na terra. Tínhamos mais liberdade, eram outros tempos.

Meus pais, como todos, não gostavam de me ver machucada. Levava broncas quando voltava para casa com alguma parte do corpo danificada. E eles tinham um meio bastante pedagógico para me desencorajar a me machucar: o famigerado Merthiolate. Quem foi criança nos anos 80 sabe, aquele treco ardia feito “cabra da moléstia”. Chegava a ser educativo, eu tomava mais cuidado às vezes só para escapar do Merthiolate.

Quando era realmente um acidente, meus pais eram bonzinhos e passavam mercúrio-cromo em mim. Mas quando estavam bravos...

- Vem cá, vou fazer o curativo – dizia a minha mãe.

Eu via a cara dela e já sabia. Lá vinha o Merthiolate.

- Mãe, passa o mercúrio-cromo, Merthiolate dói muito!

- Não, vai ser o MERTHIOLATE!

Socorro! Às vezes, quando me machucava, nem contava para os meus pais. Passava o que tinha à mão: sabão, um simples abanar de vento, ou então outra coisa que era um verdadeiro tiro no pé, a água oxigenada. A bocó aqui olhava, fascinada, enquanto o ferimento borbulhava ao entrar em contato com o produto. Ardia feito uma desgraça, mas as bolhas me distraíam.

Criança se distrai com cada porcaria...

Quando estava no pré-primário (na minha época era assim, como se chama hoje?), a minha escola sempre levava os alunos em excursões. Era difícil eu voltar de um passeio inteira. Sempre que o ônibus chegava, lá estava a minha mãe me esperando. A professora descia para encontrar os pais e logo falava:

- Foi tudo bem, só uma criança se machucou...

Era eu. Outro passeio:

- Tá todo mundo bem, mas uma criança caiu na lama e perdeu um pé do tênis...

Era eu. Mais um passeio:

- Ah, foi divertido! Só uma criança caiu de queixo no chão...

Era eu. E no passeio seguinte:

- Foi ótimo! Mas uma criança rasgou as calças no escorregador e voltou sem roupa...

Era eu!

Na adolescência, a minha sina continuou. Estava no colegial (hoje é ensino médio, certo?) e, em um mês, eu caí três vezes, machucando o mesmo joelho. Não deu mais para remendar a calça, tive que comprar um uniforme novo.

Certo dia, nossa turma fez uma prova de química em um sábado, e a matéria era bem extenuante. Estávamos trabalhando com o Diagrama de Pauling e aquela distribuição de elétrons: 1s2 2s2 2p6 3s2 3p6 4s2 3d6 e por aí vai. Não lembro para que serve, só sei que dava um trabalhão responder aos exercícios. Saí da escola meio atordoada, ainda pensando nas respostas, quando dei de cara, espetacularmente, com um poste! Caí sentada, feito uma pata choca, para a alegria dos meus colegas de turma. É, eu era realmente desastrada!

Eu sempre me interessei por truques de mágica, mas fazia alguns involuntariamente. O meu mais notório aconteceu em Ubatuba. Estava andando com a minha família, calmamente, quando eu simplesmente desapareci. Performance digna de David Copperfield. O que me aconteceu? Ora, caí num buraco! Era profundo e razoavelmente visível. Mas não para a minha visão além do alcance, certo? Levei um baita susto e, assim que me recuperei, comecei a pedir por socorro.

Minha família sequer pensou que os gritos fossem meus. Eu estava ao lado deles, certo? E a voz estava vindo das entranhas da terra, coisa sinistra... mas mamãe, sabendo do meu histórico, olhou para trás e foi checar. Quando me viu no buraco, soltou a frase que eu mais ouvi na minha infância/adolescência:

- O quê? Você caiu DE NOVO?

Sem comentários...

Já estava no cursinho pré-vestibular quando, num domingo, fui assistir a uma palestra sobre João Goulart. Meus pais, naquele fim de semana, resolveram me deixar sozinha e viajaram para Porto Alegre, onde temos família. Até aí nada de mais, peguei meu famigerado ônibus e fui até o cursinho, perto do metrô Ana Rosa.

O problema foi que, a caminho do auditório, eu torci o pé e caí no chão.

Vejam bem, não foi só uma torcida. O pé virou para dentro, o dedão do pé encostou na batata da minha perna, fez um barulho “toc” e me deixou a ver galáxias, não estrelas. Aff, como doeu aquela bagaça!!

Eu joguei a mochila longe e rolei no chão, gritando de dor. Imediatamente, formou-se uma rodinha, na qual pessoas inúteis, ao invés de me ajudarem, ficavam me olhando rolar na calçada, sem ao menos oferecer ajuda. Teve uma mulher que falou para mim, no melhor estilo “apoio moral”:

- É... deve estar doendo muito, né?

NÃO, SUA BOCÓ!

Pior que eu só pensei e nada disse. Mamãe criou uma menininha educada em colégio de freiras e, naquela época, não retrucava nem falava palavrões. Se acontecesse hoje, acho que daria uma voadora naquela mulher!

Depois que passou o pico de dor, veio a triste constatação: meu pé havia dobrado de tamanho. Inchado, roxo, latejando, doído... pensa em mais adjetivos e vai acrescentando, foi bem por aí. Mas eu era uma aluna “caxias”, sempre fui. Tinha a palestra para assistir, eu não queria perder, estava incrivelmente focada no cursinho. E tomei a única decisão que uma nerd tomaria: fui me arrastando até o auditório do Etapa num pé só, apoiando nos muros. Tudo para não perder a palestra.

Confesso, mal me lembro do que assisti. O pé doía que era uma desgraça. Mesmo assim, eu me senti melhor por não ter faltado (o psicológico é tudo nessa vida...). Claro que, durante a palestra, meu pé terminou de inchar e ficou uma coisa medonha. Por sorte (ou azar) eu não tirei o tênis do pé, ou jamais conseguiria colocá-lo novamente e teria que ir descalça para casa.

A coisa estava feia, e pensei: é, preciso de um ortopedista, com urgência. Mas a bocó que vos escreve não estava com a carteira do convênio na mochila. Sabem aquela adolescente que se acha o próprio “highlander”, imortal? Pois é, eu tinha aquele pensamento. Tonta, para dizer o mínimo. Agora teria que voltar para casa, pegar a carteirinha e ir a um médico.

Foi um tremendo perrengue voltar para “São Domingos City”, onde moro. Se hoje já não tem transporte público por aqui, imagina a situação vinte anos atrás, e num domingo. Levei quase 3 horas no trajeto, arrastando corrente, enquanto meus pais curtiam o fim de semana em Imbé, cidade próxima a Porto Alegre.

Quando finalmente voltei para casa, fui correndo procurar a tal carteirinha. E cadê de achar a dita cuja? Nada! É, não tinha jeito, teria que ligar para os meus pais e perguntar. Eis o diálogo:

- Oi, mãe! Tudo bem?

- Oi, filha! Aqui está uma delícia! Acabamos de chegar da praia! Tudo bem por aí?

- Então, mãe... onde está a carteirinha do convênio?

Silêncio. Então ouço:

- O quê? Você caiu DE NOVO?

- Ah, mãe... snif...

Tive que contar toda a história e todos os detalhes sórdidos. Só depois é que pude focar no cerne da questão: onde estava mesmo a carteirinha?

Pois pasmem, caros leitores. A minha carteirinha estava com a minha mãe. No Rio Grande do Sul. Gente, fala sério! Eu aqui e a minha carteirinha lá nos confins do país, e agora?

Há 20 anos, não tínhamos a facilidade de ligar para o convênio, pedir guia ou utilizar de qualquer outro artifício. Ou tinha a carteirinha em mãos ou nada feito. Assim, não tive opção a não ser ligar para uma amiga e me dirigir a um posto de saúde, no carro dela.

Sabem aqueles dias em que dá tudo errado? Então, realiza a cena: cheguei ao posto de saúde e dou de cara com uma pessoa estirada no chão, bem no saguão de entrada. Toda ensanguentada. Morta, obviamente. Baleado. Tive que conter a ânsia e contornar o dito cujo para buscar atendimento. Realmente promissor, não?

Esperei o tempo regulamentar da saúde pública para ser atendida, já calçando um chinelinho e com o pé inchadíssimo e roxo. Fui fazer um raio x. Agora sim, a sorte mudou, pois não tinha nada quebrado! Mas precisaria imobilizar o pé.

Suspirei, resignada. Já esperava por isso. O que eu não esperava foi o diálogo que se desenvolveu a partir daí. Disse ao médico:

- Doutor, poderia colocar aqueles saltinhos de bota no meu gesso? É que eu estou fazendo cursinho, e andar de muleta vai me atrapalhar no ônibus, e eu não posso perder aula.

- Não vai dar – disse o médico.

- Mas por quê?

- Porque, com o seu peso forçando o gesso, ele vai rachar... vai precisar usar muleta mesmo.

Era só o que me faltava... perder minhas aulas do cursinho? Nem pensar! Disse ao médico:

- Então não quero o gesso!

E fui embora, pisando duro (com um pé só), e sem o gesso.

Ok, foi uma atitude completamente sem nexo. Ok, precisava do gesso. E não o coloquei! Acreditem, fiquei arrastando o pé inchado por meses, sem imobilização e pegando o ônibus sabe-se lá de que forma, nem eu me lembro com fazia isso. E, por incrível que pareça, nem meus pais contestaram a minha atitude. Era uma vestibulanda feroz (focada demais, creio), mas segui com as minhas aulas do cursinho desse jeito mesmo.

Eu só tomava medicamentos para a dor e tratava de colocar o pé para cima na sala de aula. Como eu sempre sentava na “turma do gargarejo”, ajeitava o pé todo estropiado no tablado do professor e ainda tinha a cara de pau de avisar:

- Professor, cuidado aí com o meu pezinho, tá?

É, tem coisas na vida que só um vestibulando é capaz de fazer. Mas tudo acabou bem, pois depois de alguns meses, o pé desinchou e não tive qualquer sequela. Nadinha. Nem uma dorzinha, nem uma dificuldade de andar. Nem sei se tive algum problema nos ligamentos. Se tive, sumiram.

E aí veio o excesso de confiança de novo, certo? Já estava andando normalmente quando caí. De novo. E torci o outro pé, exatamente da mesma maneira! Eu chorava de raiva:

- Arrgh, eu sou muito idiota mesmo!!

Como já estava um pouco mais “ixperta”, a torção não foi tão feia, pois consegui me segurar no poste mais próximo antes que caísse de vez no chão. Mas foi do mesmo jeitinho, o dedinho quase encostou na batata da perna e fez um leve barulhinho de “toc”. Voltei para casa, arrastando corrente (mais leve, desta vez) e, quando minha mãe me viu mancando do outro pé, soltou sua frase patenteada:

- O quê? Você caiu DE NOVO?

É...

Mas as coisas começaram a se estabilizar da faculdade em diante. Levava as minhas quedas básicas, mas nada sério. O problema foi quando comecei novamente a pedalar. Conheci uma galera show e frequentava os pedais noturnos pelas ruas de São Paulo. Eu, há anos sem andar de bicicleta, tive que pegar novamente todo o traquejo da coisa. E não deu outra, as quedas espetaculares voltaram. E o pior, eram frequentes!

Às vezes eu apenas arriava da bike, o começo foi bem difícil. A maioria era causada por falta de perícia ou inexperiência. Às vezes, era o bom e velho azar em ação!

Certa vez, estava pedalando na região de Perdizes com o grupo, quando um companheiro de pedal nosso nos encontrou de carro. Eu olhei para o lado e comecei a fazer piadinhas por ele estar dirigindo e não pedalando conosco, e deixei de olhar para frente. Adivinha? Bati no colega da frente e voei espetacularmente até o chão! Poderia ter cantado “I believe I can fly” no processo, de tanto tempo que fiquei no ar. Após me espatifar no chão com a graça e a beleza de um saco de batatas, fui acudida pelo pessoal. Eu, morrendo de vergonha, só dizia:

- Gente, tá sussa, bóra pedalar!

O que muita gente não soube é que tive que ir ao pronto socorro no dia seguinte. Na queda, bati a cabeça, mas como estava de capacete, nada aconteceu. O problema foi o pescoço, fiquei uma semana sem poder olhar para os lados, uma tortura!

Como continuei a pedalar apesar de tudo, fui sofrendo mais quedas. Melhorei meu condicionamento físico também, mas demorei até parar de cair tanto. Ainda mais quando cismei de andar clipada. Sabem o que é isso?  A sapatilha de pedalar, que prende o seu pé no pedal e otimiza o seu esforço físico. E cair com aquilo é a coisa mais fácil do mundo. Basta esquecer de “desclipar” o pé e pronto: é só cair no chão feito jaca. Mesmo com a bike parada!

Como eu não desisti de pedalar com sapatilha, demorei mais do que o normal para controlar as quedas da bike. Hoje, pedalo sossegada quando estou clipada. Afinal, uma hora a gente aprende! Mas até os guias dos passeios de bike já estavam familiarizados com as minhas quedas mais frequentes. Em uma delas, a Elen e o David, que são guias da Gobiking Expeditions (www.gobiking.com.br) e grandes amigos, ao presenciarem mais uma queda minha, desta vez saindo do campus da USP, parafrasearam a minha mãe:

- Você caiu DE NOVO, Fê?

Ah, a minha sina...

Para arrematar o causo, vou mostrar a vocês a única queda com registro fotográfico: caí quando saía de um helicóptero! É, consegui essa proeza, e está documentado o “antes” e o “depois”. Felizmente, no “durante”, a fotógrafa Daniella Fernanda me ajudou a sair do chão!

Eu e Dani estávamos em Foz do Iguaçu, e fizemos o voo panorâmico nas cataratas. A visão é maravilhosa, quem tiver a oportunidade, não deixe de experimentar. Mas esta contadora de causos que vos fala não poderia deixar passar a chance de dar vexame em grande estilo, mergulhando de “peixinho” ao sair do helicóptero. Repara na graça e na beleza da cidadã no “antes”:



E agora repara na tentativa de disfarçar a cara de dor no “depois”:



Segundo a Daniella, eu parecia uma pata choca prestes a levantar voo. Mas acabei pousando com a habilidade de um albatroz mesmo.

E você, leitor, considera-se uma pessoa desastrada, mesmo depois de ler o presente texto? Se a resposta for afirmativa, me escreva, suas histórias podem virar um causo!

Boa noite, pessoal!

Um comentário:

  1. Fê você é "inacreditível"....hahahaha... A vantagem é nossa, por que rende bons causos... :)

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