quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Ficha limpa, eu?

Post 04/12:


Hora do causo!

 Hoje foi um dia mais do que atípico. Foi... Uma coisa, por falta de melhor definição!

 Eis o que aconteceu:

 Estava tudo sossegado. Meu trabalho, em ordem. Seria mais um dia normal, até eu receber um e-mail. O conteúdo? Eu e meus colegas teríamos que entregar uma infinidade de certidões: Justiça Federal, Justiça Estadual, Justiça Militar, Justiça Eleitoral, Tribunal de Contas e por aí vai. E por que? Ordens do CNJ. Servidores precisam estar acima de qualquer suspeita. É a ficha limpa em ação.

Tá, até aí, nada de mais. Tudo o que for feito para dar transparência ao serviço público, é válido.

Então, qual era o problema?

 A porcaria do prazo! Deram apenas uma semana para entregarmos toda a papelada!

Ficamos com o coração na mão. E agora, como faríamos para tirar todas as certidões a tempo?

 Começamos a fazer o levantamento. A maioria das certidões poderiam ser tiradas online, e de graça. Ou então mediante pagamento de boleto e posterior emissão.

Mas não na Justiça Estadual.

Ah, a Justiça Estadual, o inferno na Terra! Aquilo é um mundo paralelo, um abismo burocrático que atormenta o âmago de qualquer ser pensante e provoca calafrios!

 Agora vou descrever a vocês o martírio pelo qual passamos para conseguir as certidões estaduais. Eram três: cível, criminal e execução criminal.

O trabalho de campo foi meu e do Sérgio. A Loraine e a Júlia cuidaram das certidões online.

O primeiro perrengue foi coletar os dados pessoais de toda a galera. Pouca coisa: nome, RG, CPF, pai, mãe, endereço, aniversário etc. Nem sei como não perguntaram nosso tipo sangüíneo e nossos gostos musicais. Curte "Ai, se eu te pego"? Tá fora da justiça!

 Depois, fui coletar o dinheiro das certidões. Ninguém tem trocado, ninguém tem ideia de quanto vamos gastar ao certo. Então, por puro medo de ficarem sem a papelada que, em última instância, vai garantir nosso salário, o povo abriu a carteira e fizeram da minha mochila um verdadeiro cofre-forte.

Dados à mão e dinheiro na carteira, eu e Sérgio saímos correndo em direção ao Fórum João Mendes. Isso mesmo, correndo. No melhor estilo "Carruagens de Fogo". Realizem a cena, dois servidores esbaforidos correndo na Paulista, depois na linha amarela do metrô, depois na vermelha e, por fim, no centro. Direto para uma "via crucis".

 Chegando ao fórum João Mendes, a primeira parada foi no posto de informações. A vivacidade do atendente era contagiante. Olhos esbugalhados, bronzeado de fórmica de consultório médico e eloqüência vocal digna do Severo Snape:

 - Simmm...

 Eu pergunto:

 - Onde tiramos a certidão X?

 O fórmica:

 - Segundo andar... Sala tal....

 Eu:

 - E as certidões Y e Z?

 Fórmica:

 - Atrás de mim...

 Heim?

 Ah, as certidões do criminal tem um quiosque! Ainda pergunto mais alguma coisa, e o sujeito responde:

 - Eu não sei...

 Isso porque era o balcão de informações!

 Segunda parada: o quiosque.

Uma atendente igualmente empolgada nos entrega 2 blocos de formulário para as duas certidões criminais que eu e meus 11 amigos precisávamos. Perguntamos alguma coisa, que foi respondida secamente, arrematada com um:

 - Próximo!

 Bom, depois dessa "deixa", fomos correndo, pela escada, ao segundo andar.

Terceira parada: mesinha do funcionário do Banco do Brasil, para pegarmos mais 12 formulários de certidões.

 Como sou correntista do BB, pergunto ao sujeito se eu posso pagar as taxas no caixa automático, ao invés de pagar no posto bancário do fórum.

Ele responde:

 - O Banco vai te mandar pra cá!

 Insisto:

 - Tá, mas e aí, dá para usar o caixa ou não?

 A resposta:

 - Se todo mundo usar a agência ao invés do banco, lá vai ficar cheio. Eles vão te mandar pra cá.

Hum... Perceberam que o cara não me respondeu? Mas resolvi não insistir. Eu e Sérgio nos enchemos de coragem e encaramos a primeira fila de "responsa": a do Posto de Atendimento Bancário, vulgo PAB.

Como tínhamos que preencher todos os pedidos de certidão, eu e Sérgio fizemos isso na fila mesmo, em pé. Após uma espera significativa, chegamos ao caixa. A atendente, com maquiagem digna de funilaria de automóvel, misto de tinta spray e "martelinho de ouro", maneja o grampeador com uma destreza invejável. Para cada pedido de certidão, dois recibos e uma grampeada, preparados no melhor estilo "linha de montagem" do Henry Ford.

Aí veio a nossa primeira "mancada": esquecemos de pedir uma certidão!

Ah, pqp... Grrr...

Lá fui eu para a fila novamente, enquanto o Sérgio rumou para a quarta parada: a sala que emite as certidões.

Ele pegou outra fila para tirar uma senha, para depois ser atendido e, finalmente, conseguir a bendita certidão cível.

Consigo pagar a certidão faltante com relativa rapidez e vou de encontro ao Sérgio. Felizmente estávamos em dois: cada pessoa só pode retirar dez certidões de cada vez, e precisávamos de 12!

 Cada um de nós pegou uma senha. Sentamos, aguardando a nossa vez. Enquanto isso, fomos preenchendo os pedidos das certidões criminais.

Demorou, demorou... Eu estraguei um formulário. O Sérgio, também. Eu troquei letras, o Sérgio disse que o André era natural de Salvador - Estado de São Paulo. Eu, tendo almoçado cedo, estava faminta. O Sérgio, não tendo almoçado, tinha um ar meio zumbi, meio sobrevivente de acidente aéreo nos Andes. Realmente de dar pena!

 É claro que a atendente do quiosque criminal não tinha dado formulários suficientes, e não conseguimos preencher tudo. Tivemos que aguardar a chamada e a emissão das certidões cíveis, conversando e checando o celular.

Finalmente, após uma loooonga espera, conseguimos! Saímos com as certidões cíveis na mão! Claro, tudo poderia ser feito online, não precisariam imprimir formulários para preencher, ou sequer manter dezenas de pessoas para emitirem a certidão. Porque se é para digitar os dados e pressionar "enter", não precisa de toda essa logística, só de um computador ligado à internet! Mas quem disse que no Estado as coisas são organizadas de maneira lógica? Haha, faz-me rir!

 Última parada: o quiosque do criminal. A atendente continua a gritar freneticamente "próximo" para qualquer um que passa. Se bobear, até o faxineiro entra na dança.

Pedimos à mulher mais formulários e fomos terminar o preenchimento. Foi só aí, nesse momento, que a bocó aqui se deu ao trabalho de ler as "instruções de preenchimento", pregadas na parede em português e em espanhol. Eu tinha preenchido tudo errado!

 Grrrr...

 Rescrevi tudo o que havia feito. E tive que buscar mais formulários no quiosque. A essa altura, a atendente já nos encarava com um misto de indignação e curiosidade genuína.

Terminei o preenchimento: eu e Sérgio checamos mais uma vez os dados e fomos dar a entrada na papelada. A atendente do quiosque checa o preenchimento, e vai carimbando, usando um datador, todos os formulários. Por fim, nos entrega os comprovantes. Essas certidões levam 7 dias úteis para ficarem prontas. E se a pessoa tem uma idade mais... hum... significativa, o prazo aumenta. Azar da velha guarda...

 Nessa confusão toda, amigos da JF nos pediram para trazermos mais formulários para que, também, possam tirar as suas certidões. Pergunto à atendente:

 - Será que eu poderia levar mais um bloco de cada? Muita gente no meu trabalho vai precisar de certidões, e isso ia facilitaria a vida deles!

 A mulher responde:

 - Claaaro que pode levar...

 Eba!

 - ... mas precisa preencher um requerimento por escrito, levar no andar tal, entregar na sala tal para fulano de tal e...

 Interrompo:

 - Tá, posso pegar o que tem no balcão?

 Ela me olhou surpresa, e disse:

 - Ok, pode pegar!

 Acho que ela se apiedou das expressões famintas, minha e do Sérgio. Fiz o rapa no balcão, como se estivesse "limpando" mostruário de joalheira, coloquei tudo na mochila e, finalmente, deixamos o recinto.

Ah, a rua... Que delícia! Advogados e mendigos para todo lado. Prédios históricos e cheiro de xixi completam a paisagem. Liberdade, afinal!

 Voltamos, lacônicos e famintos, para o trabalho. Devolvemos o dinheiro não usado, explicamos como foi tudo. Sérgio, que já estava além do horário, saiu em busca de comida. Eu esperei mais um pouco, e saí em busca da mesma coisa. E surpresa das surpresas: nunca antes na história deste país meu pai tinha feito cachorro quente para o jantar!

 Dia mais do que atípico!

 Boa noite a todos!

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